quarta-feira, 23 de outubro de 2013

O ENTERRO

Ontem enterramos o pai do Oliveira. Eu, o filho, Jhonny e mais três desconhecidos. Dos 98 anos do velho, quantos de sofrimento existencial e terminal? No salão da Casa do Idoso, onde o corpo era velado, uma idosa inquire o preto Oliveira: "Tu não tá chorando não? Se fosse meu pai, eu tava chorando." Tocamos pro cemitério Bom Jesus. Talvez o menor cortejo da história da humanidade. No cidade dos mortos, sinto-me bem. Coveiros a postos, buraco aberto, pousamos o caixão na borda do abismo. Os profissionais da morte perguntam se esperamos mais alguém. Não. Only us. A urna desce. E jogamos, cada um, uma mão cheia de terra na cara do velho. As pás fazem o resto. O baque do barro contra o caixão preocupa e alivia. Os coveiros são céleres, porque há mais defuntos prestes a chegar. Mortos dão trabalho, penso. Mas vivos dão mais trabalho ainda, repenso, ao ver o Pastor Porto andando entre jazigos. Muito alinhado, grudado ao celular, parece o Geraldo Alckmin. Assombração. Vamos embora. No Caminho, Oliveira pergunta ao colega de trabalho onde ele tinha arrumado aquelas mangas deliciosas. "No cemitério", responde o outro, sorrindo. Pondero: antes uma manga adubada com defuntos do que com fezes. Enfim, Bar Gil. Cerveja gelada que desce refrescando. Brindamos e sorrimos ao imaginar que o último coveiro do mundo morrerá e não terá nenhum coveiro para enterrá-lo. Silêncio que segue. Pessoas indo e vindo no crepúsculo. E quando Oliveira me dá um tapinha nas costas, agradecendo a ida ao cemitério, penso como é bom estar vivo.

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