quarta-feira, 24 de junho de 2009

OBAMA BOYS

Depois de não sei quantas vitórias seguidas, não sei quantos jogos sem perder, a Fúria Espanhola "se quedô" ante a seleção americana de futebol - ou melhor, de "sóquer" - nas semi-finais da Copinha disputada na Africa do Sul.

Os Obama Boys ganharam dos calientes latinos pelo escore de 2 a 0. Não assisti ao jogo inteiro - quando acordei, aos 38 do segundo, o placar já estava definido -, mas confesso que não acreditava, nem eu nem a torcida do Flamerda, que os USA ganhariam a partida.

Mas o futebol é uma caixinha de surpresas, e logo eles mandaram a Espanha mais cedo pro chuveiro. Eles, que nos dois primeiros jogos da Copa das Conferderações levaram 6 gols e só se classificaram pra segunda fase porque os Amarelos eliminaram os Azuis.

Quando vejo os americanos batendo bola só me lembro da Copa de 94. A seleção estilosa deles. O goleiro cabeludo-gordinho que lembrava muito o Jonh Travolta do Pulp Fiction. O zagueirão Lalas, rockeiro de barbicha ruiva que nas horas vagas jogava futebol.

E claro, o jogo das quarta-de-final em que o Brezil pegou os caras em pleno 4 de julho. Um a zero sofrido. E o Leonardo sendo expulso depois de quase sacar fora a cabeça dum americano com uma cotovelada.

(Noutra ocasião, durante um amistoso contra o mesmo Brezil, o juiz marca escanteio a favor dos americanos. O lateral vai cobrar. E cobra. Só que em vez de cruzar na área pros companheiros, o animal dá um toquinho pra ele mesmo numas de sair jogando naturalmente. Ninguém entendeu nada. Nem ele.)

É, os Estados Unidos estão na final do domingo.

"Eu desconfio que foi o Bush".

domingo, 21 de junho de 2009

O PORCO DO MANEL

Além de televisão colorida, na casa da minha avó e do meu tio também tinha uma biblioteca na estante da sala de estar. Uma biblioteca comprada pronta, típica dos anos oitenta. Uns 40 livros, creio, todos com capa dura. Tinha uma coleção de Psicologia e Saúde Corporal, uma de Inglês/Português, outra de assuntos gerais - em que se destacava o volume Os Cem Maiores Vultos da Humanidade - e um livrão que abarcava gramática e literatura portuguesas, um calhamaço dumas 700 e tantas páginas. Lembro que na apresentação de uma das coleções, havia um aviso do tipo "uma biblioteca somente na estante de uma casa dá um verniz de cultura que o seu dono talvez não possua". Ainda hoje lembro quando li isso. Era um sábado depois do almoço, e o meu tio, dono da biblioteca, roncava deitado na rede armada na sala. Óbvio que ele não tava nem aí pra verniz, cultura ou biblioteca.

Pois bem, de vez em quando eu abria um desses livros que mocavam na estante. Tempos bons e distantes aqueles. Tempo em que a sigla dos Estados Unidos era grafada como EE.UU., e não USA ou EUA, como é agora. Tempo das sandálias Rider, do vídeo game Atari e dos álbuns de figurinha de desenho animado em que a gente concorria a muita coisa e geralmente não ganhava quase nada. Tempo em que o nome "Bocage" não me reportava a um poeta português, mas a um personagem folclórico que se dava bem em tudo, sempre tirando vantagem dos outros, conforme os relatos jocosos do matuto Expedito, nosso contador de causos particular e agregado da família. Tempo das tardes amorosas em que o meu maior crime era comer Leite Ninho e Nescau escondido da minha avó.

Sucede que, certo dia, numa dessas abriduras de livro, li um troço que me deixou com uma pulga atrás da orelha. Ainda lembro. Eram umas quatro da tarde e como minha avó estava de marcação cerrada na cozinha (devia ter percebido a abrupta baixa nas caixas de leite em pó e Nescau), desisti do furto das guloseimas e fui pro quintal com o livrão de 700 páginas debaixo do braço. Parece que tô vendo o menino descalço de calção azul se deslocando da sala pro fundo do quintal, pelo lado de fora da casa, sentindo na sola dos pés a variação de temperatura do piso cimentado, que ora era quente, nas partes expostas ao sol, e ora era frio, no trecho úmido e cheio de musgos rente à lavanderia. O menino que senta na cadeira de macarrão debaixo do maracujazeiro e abre o livro numa página qualquer, em busca de ilustrações. E que de repente se espanta com uma imagem. Mas não uma imagem feita de imagens. Uma imagem de palavras, que só muito mais tarde ele compreenderia que se tratava de um poema.


"Porquinho-da-Índia

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala,
Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos,
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas . . .

— O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada."


Li de novo o texto. E mais uma vez. Outra. E acabei me encabulando com o último verso: "O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada". Com o resto do texto tudo bem, nada de extraordinário. Brincar com pequenos animais - porcos ou não - toda criança brinca. Mas o último verso, esse negócio de "primeira namorada" é que não entrava na minha cabeça - ou entrava, tortamente, e por isso mesmo eu me impressionava. E muito, porque naquela época eu não sabia o que era poesia (nem o que ela phodia) e tampouco tinha informação suficiente pra entender que Manuel Bandeira era um escritor, um desses seres que tem carta branca pra inventar com as palavras. Naquela época, mirando o mundo do alto dos meus dez anos, aquilo se resumia a um relato pra lá de sem-vergonha de um menino que poderia ser meu amigo, meu visinho. Um menino que no final das contas poderia ser eu. E namorar um porco? Ah, não. Fiquei com vontade de chamar a minha avó e mostrar aquele negócio pra ela. Pedi uma explicação, uma luz, afinal ela lecionara durante anos. Mas não. Resolvi fechar o livro e devolvê-lo à estante para não mais abri-lo. O diabo é que nos dias seguintes eu não conseguia assistir TV sem ter a impressão de que o tal porquinho-da-índia zombava de mim lá de dentro da Gramática.

Meses depois, passando férias na casa de meus pais, não mais uma pulga, mas um cachorro cheio delas atrás da orelha. Na casa de meus pais também funcionava um bar, num terreno enorme e cheio de mangueiras - uma paisagem bucólica às margens da Belém-Brasília, ao lado do Parque de Exposições, onde hoje funciona um posto de combustíveis. Um dia, aproveitando a ausência do meu irmão mais velho, peguei a Monareta dele e fui pedalar. Zanzei alegre da vida em volta da casa perseguindo as galinhas criadas soltas por minha mãe. Subi e desci uma "montanha" que era um morrinho de areia um pouco mais distante. Dei cavalo-de-pau, levantei pneu, apostei corrida com um adversário imaginário. Até que o cansaço me nocauteou, e então desci tonto numa banguela, aproveitando o vento pra secar o suor do corpo. No final da descida, perto do chiqueiro em que meu pai criava porcos que depois viravam tira-gosto pros clientes do bar, vejo umas peças de roupa penduradas numa estaca e ouço uns ruídos estranhos. Empurrado ainda pela banguela, resolvi fazer o retorno só quando passasse na frente do chiqueiro. Quando tô virando o guidom da bicicleta na frente do estabelecimento animal, quem eu vejo lá dentro? Ora, quem? O meu irmão, short arriado e melado de lama, atracado na traseira de uma porca. Tava tão concentrado no bumbum da "namoradinha-da-índia" que nem me viu passando ali na frente.

É que o sacana tinha aproveitado o pretexto de levar lavagem pros animais para dar uma. Uma de Manuel Bandeira.

terça-feira, 9 de junho de 2009

VÍTOR, O MALDITO (I)

Tava procurando no Google, mas não encontrei quase nada sobre (e principalmente do) Vitor Gonçalves Neto. Mais Caxiense que Teresinense (cidade em que nasceu, no ano de 1925), Vitor era desses homens que não param quietos. Conheceu o Brasil e um pouco do mundo, sempre como passageiro, já que ele mesmo afirmava que qualquer lugar do mundo só serve para ficar no máximo três dias: "tempo suficiente para ficar conhecido pelas mulheres e pela polícia". Cronista dos mais irreverentes (e até "maldito", para alguns), Vítor ajudou a fundar diversos jornais e a afundar tantos outros, como o próprio fazia questão de observar. Escreveu muito e de tudo (romance, novela, poesia, crônica), mas publicou muito pouco. O próprio livro que tenho - Crônicas das Andanças: dos vivos e dos mortos, dos bichos e das fêmeas e de outras coisas que tais - só teve até agora uma edição, de 1995, e mesmo assim graças ao esforço conjunto de duas editoras: a Caburé, de Caxias, e a Ética, de Imperatriz. No intuito de preencher um pouco essa lacuna através do ciberespaço (e também porque suas crônicas são deliciosíssimas), me dou o direito de pouco a pouco ir transcrevendo alguns escritos do referido livro para este Hotel Subterrâneo. Espero que gostem. E espero também que herdeiros e editoras não me processem.

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O CEMITÉRIO DE SÃO MIGUEL DO GUAMÁ

Para reconhecimento integral de qualquer terra muito pouco é o suficiente. Mesmo não aconselho ninguém a se demorar em qualquer parte. Uns 3 dias no máximo. Antes que fique conhecido demais pelas mulheres e sendo observado pela polícia... Pombas! Basta o camarada chegar e se dirigir imediatamente para a zona do baixo concubínio passando na volta pela igreja a fim de se redimir de algum pecado. Depois é chegado o momento de tomar um trago no primeiro boteco que encontrar. O almoço é no mercado naturalmente. E para dormir o melhor local é o cemitério. Não que o distinto seja tarado ou ladrão ou carola e muito menos alcoólatra ou necrófilo ou outras coisas que tais. Nada disto. Mas isso é essencial.

Pelo menos é que o tenho feito pelaí e que sempre me dei bem. Em todas as terras por que tenho andado. Paraíba e Pernambuco. Pará e Rio de Janeiro. Rios Grandes do Norte e do Sul. “Oropa”, França e Bahia. Assim é que conheci mulheres brancas e pretas. Capelas e Catedrais. Muitas marcas de cachaça. Cemitérios mal e bem assombrados. Fui preso até que pouquíssimas vezes e sempre driblei o mundo de fêmeas que já quis me seqüestrar.

Dito o que ficou escrito recomendo aos meus discípulos e fãs que não exagerem nunca no cumprimento dos rituais. E explico. Um dia por exemplo em que estava hospedado aliás muito comodamente em uma canoa no rio Paraíba (no cais de Teresina) me deu na telha de conhecer a cidade de São Miguel do Guamá quando então se construía a estrada Belém-Brasília. E fui. Não me lembro mesmo é como lá cheguei e muito menos como saí embora tal pormenor não interesse tanto. Sei é que era tardezinha e aproveitei logo o tempo para fazer a “via-sacra”. Fui a 3 cabarés e uma igreja. 12 botecos e na feira. E por fim ao “campo santo” onde a chuva me pegou e pelo que fui levado a me hospedar mesmo por lá durante essa noite que durou mais ou menos cerca de 270 e tantos dias (uns 9 meses) conforme mais tarde assombrado conferi. É que a defuntagem parece que estava com calor debaixo da terra suja e saiu para refrescar e se lavar. Quando o relâmpago abria eu só via era pedaço de gente pelada por toda a extensão do cemitério de São Miguel do Guamá. Umas 3 vezes mais mulheres do que homens (as crianças se recolheram aos primeiros trovões). E eu sequei logo a garrafa de aguardente e caí no bacanal. Tudo acabado me encontrei cercado de fantasminhas já meus filhos. Dei uns 100. Vendi uns 300. Os outros desapareceram. Sei só do caçula que hoje é coveiro do cemitério de São Miguel do Guamá...

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Vítor teve suas andanças interrompidas em 1989, ano em que – a contragosto – morreu. Agora não sai mais da sua Caxias. Tá enterrado por lá.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

HARPYA

A primeira vez que vi uma medusa foi na Sessão da Tarde, num filme impróprio - As Sete Faces do Dr. Lao - praquele tipo de horário - às três e meia de uma quarta qualquer, tendo como companhia o vento tropical que esvoaçava a cortina da janela e a minha vó, que fazia croché no sofá atrás de mim. Eu era um menino assustado com um copo de Kisuke de uva na mão e umas bolachas de água e sal num pratinho ao lado.


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Não sei quando Raoul Servais viu uma harpya pela primeira vez. Nem importa. O importante, aqui, é que o cara soube projetar essa figura mitológica de forma esplendorosa e assustadora na tela do cinema. Tanto que faturou a Palme D'Or em Cannes na categouria curta-metragem de animação.



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Nem loira nem medusa. A bola da vez chama-se "Harpya", um filme de 1978.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

TE PEGO NOUTRO SONHO

Há mais ou menos um mês que sonho o mesmo sonho perturbador. Dia sim, dia não. Não raro acordo assustado, suado até, com a imagem de uma mulher loira acelerando um carro vermelho e tentando me atropelar. Noutras vezes, devido ao fato de ter despertado justamente no momento em que poderia surpreendê-la vacilando numa esquina, acordo insatisfeito e com raiva. E é sempre assim no sonho: se em determinado momento eu estou sendo encurralado, perseguido pela loira fatal, noutro momento eu estou no seu encalço, correndo atrás do Golf vermelho que some numa rodovia deserta similar àquelas do filme Mad Max.

Não é uma mulher velha a mulher do sonho, mas igualmente não é nova - deve ter entre 30 e 35 anos. Uma loira bem conservada, eu diria, e até bonita, a julgar pelo rosto de traços fortes e lábios carnudos (sua única parte visível, já que nunca sai do carro). Os olhos variam entre azuis, verdes, roxos ou lilases, dependendo dos desígnios oníricos. Os braços são bem torneados, levemente recobertos por uma penugem dourada, no que suponho que também o sejam as pernas e os glúteos.

Não diria que nossos encontros noturnos sejam um pesadelo borgeano, mas uma sucessão de sonhos extremamente hard. Ou talvez uma série de TV do gênero suspense, só que escrita por um louco para uma espécie de Canal dos Sonhos. Naturalmente o espaço em que se desenrola tal série é o mais onírico possível: desde movimentadas avenidas de grandes cidades, passando por infinitos desertos e parques de diversões abandonados, até florestas tropicais repletas de onças aquáticas, pássaros luminosos e cobras de fogo. Não há um enredo, um roteiro verossímil. Tudo é mutável e espontâneo, e tanto posso aparecer escondido da mulher debaixo da Torre Eiffel quanto armando uma emboscada pra ela no Bairro da Vilinha.

Embora estejamos a maioria das vezes um à caça do outro, não raro o sonho permite-me observá-la sem ser molestado. Lembro de uma noite em que pude distingui-la com mais apuro, ver seus lábios carnudos sugando um cigarro e sua mão vestida por uma luva negra deslizando sexualmente pelo volante do automóvel. Noutra noite sonhei que ela estava acompanhada por outra mulher, está mais jovem, na faixa dos 20 anos, mas também loira. Percebi que conversavam algo muito próximas uma da outra, de um modo excessivamente carinhoso. Estavam absortas dentro de uma jaula em um circo abandonado, esperando um semáforo mudar de cor, e embora não chovesse, o limpador do pára-brisa deslizava lentamente de um lado para o outro. Detrás da lona do circo eu as via, entre medroso e excitado, e cheguei mesmo a acreditar que suas bocas se tocariam quando a lente do sonho as enquadrou num close-up em câmera lenta.

Mas o sonho dá reviravoltas e retoma o seu curso mais angustiante, que é quando estou sendo perseguido pela loira. Não bastasse a desvantagem de eu estar a pé e ela motorizada, muitas vezes alguns elementos do sonho contribuem para que eu seja capturado. É o caso de algumas árvores que, à medida que empreendo fuga, esticam suas raízes para criarem obstáculos ao meu caminho, tentando parar-me ou derrubar-me. Nessas horas tenho que usar toda a minha habilidade de peladeiro para driblar os zagueiros vegetais. Noutros momentos, estou jantando numa ruela qualquer (não possuo um lar no sonho, durmo e acordo na sarjeta) quando sou surpreendido pela luz alta de um farol em meu rosto.Pra não ser capturado, abandono a comida pela metade e fujo. Como sempre acontece isso, há mais de um mês que não me alimento de forma regular e já devo ter emagrecido uns 10 quilos no sonho.

Por outro lado, há momentos em que sou o caçador e ela a caça. São momentos raros, em geral com desfechos frustrantes, mas a simples constatação de sabê-la acuada é o bastante para me reconfortar. Houve uma vez, por exemplo, em que me armei com um estilingue e a encurralei num beco sem saída. Quando enfim pensei que sairia vencedor, forçando-a a se render e explicar-me o motivo de pertubar-me o sono, ela acelerou o carro e conseguiu fugir derrubando paredes e traspassando casas. Na sequência seguinte, eu a mirava com um rifle. Ela estava sobre uma balsa no rio Tocantins e eu em ambas as margens do mesmo rio, esperando o momento certo para abatê-la. Quando apertei o gatilho, a surpresa: em vez do balaço disparado, uma flor pendeu do cano da arma. Uma rosa fedorenta.

Mas o clímax de tudo aconteceu no último sonho. Nos encontrávamos num cenário deserto, uma mata recém queimada. Ela no carro, vindo lentamente em minha direção (a contragosto, frise-se, porque seu semblante era de pavor), e eu na beira da estrada, entre tocos queimados, com um coco da praia seco na mão. À medida que ela se aproximava, eu apertava mais o coco e me preparava para o arremesso mortal. Quando emparelhou-se comigo e me viu de braço erguido, ela estancou o Golf, soltou o volante e cruzou os braços sobre o rosto, assustada. Arremessei o coco com toda a força, sem dó. Mas quando dei por mim – a realidade do sonho retrocedera uns dois segundos –, o coco havia se desintegrado entre meus dedos e a mulher acelerava o carro cor de fogo de forma tão desesperada que cheguei a acordar.

Às 4 da madrugada, acordei duas vezes assustado: primeiro pela altura do resto do meu ronco, que eu não sabia tão alto, e segundo pelo cantar de pneu de um carro na frente da minha casa, como que a fugir emitindo um grito assustador no breu da noite.