quarta-feira, 20 de julho de 2011

REPÓRTER NÃO PODE GRAVAR EM DELEGACIA SEM AUTORIZAÇÃO

No programa Bandeira Dois, exibido em Imperatriz diariamente pela TV Difusora Sul, foi veiculada uma matéria em que um delegado de polícia determina a retirada de uma a equipe de reportagem do interior de uma delegacia. No entendimento da AIRT - Associação de Imprensa da Região Tocantina, que veiculou Nota de Repúdio acerca do assunto, o delegado agiu à margem da lei. A nota - reproduzida em itálico abaixo - chega a falar em "desrespeito à liberdade de expressão e um afronto contra os trabalhadores no exercício da profissão".

A Associação de Imprensa da Região Tocantina – AIRT, repudia veementemente a atitude do delegado de Polícia Civil, Leonardo Carvalho, contra a equipe do Bandeira 2, programa da Difusora Sul, Canal 7, Afiliada do SBT. Na noite de segunda-feira (18), Os repórteres Leo Costa e Batista Filho, preparavam uma matéria sobre a condução de dois homens e uma mulher que estavam sendo conduzidos por Homens da Força Tática – FT 02, do 3º Batalhão da Polícia Militar, quando de repente foram surpreendidos pelo delegado Leonardo Carvalho (o mesmo que envolveu-se em polêmica com profissionais de Imprensa durante o depoimento do acusado de ter matado o irmão do prefeito de Montes Altos-MA) determinando que a equipe se retirasse da permanêcia, sob pena de aplicar os procedimentos – que não se sabe se seria a prisão da equipe ou outro tipo de atitude. Vale-se ressaltar que este caso não foi de forma isolada, haja vista, que na mesma noite a autoridade policial havia determinado que a equipe do programa “Na Boca do Povo”, exibido na Rede TV/Imperatriz, Canal 5, também se retirasse, com as mesmas alegações feitas para a equipe do “Bandeira 2″. A Diretoria da AIRT entende que foi um claro ato de desrespeito à liberdade de expressão e um afronto contra os trabalhadores no exercício da profissão.

Outrossim, a AIRT espera que a partir de agora, o delegado Leonardo Carvalho se paute em assuntos de real interesse a coletividade e que tenha a grandeza de se retratar, desculpando-se com a imprensa, que tem procurado fazer um trabalho conjunto com a Polícia Civil. Neste caso, quem sai ganhando é a sociedade.

Ozias Pânfilo – Presidente da Associação de Imprensa da Região Tocantina – AIRT

Ouso tecer comentário sobre o caso. 

No início desse ano, a imprensa, o Ministério Público, a Polícia Militar e a Polícia Civil se reuniram para estabeler os parâmetros da realização de reportagens dentro das delegacias do município. Ao final da reunião, foi elaborada uma ata - uma espécie de "ajustamento de conduta" -, que após lida e aprovada, foi assinada por todos os presentes. Em seu item número 6, diz o tal documento: "Somente serão permitidas imagens no interior da delegacia, em sala reservada, após autorização da autoridade policial e do preso." Em sua Nota de Repúdio, Ozias Pânfilo não deixa claro se o repórter pediu autorização à autoridade policial. Se não pediu, ou se pediu e o delegado não autorizou, ele não poderia estar ali dentro captando imagens. E muito menos na permanência do Plantão Central, que não configura "sala reservada". Sublinhe-se ainda que na mesma ata é estabelecido que o preso só pode ser filmado mediante sua autorização expressa, seja escrita ou verbal (neste caso, deve vir gravada junto com a reportagem), em conformidade, aliás, ao que já estabelecia a instrução normativa do 01/2007, do  Ministério Público Federal de Imperatriz.  Mesmo assim, no dia seguinte, o repórter veiculou as imagens dos presos, do delegado e do interior da delegacia, apesar de não informar se recebeu autorização para tanto. 

P.S.: Recentemente, a Rede TV foi condenada a pagar indenização de 50 mil reais por ter veiculado indevidamente a imagem de um desembargador durante uma reportagem. Também recentemente, um jornal de Imperatriz postou no Youtube a briga de duas mulheres na permanência de uma delegacia da cidade, afirmando que as mulheres seriam usuárias de drogas. E de fato, além de parecerem drogadas, estavam em farrapos, sujas e mulambas - mas isso dá direito a expô-las mundialmente via internet? Imagino se fossem dois juízes no lugar das duas "drogadas". Será que o tratamento dispensado pelo jornal - postar a briga no Youtube - seria o mesmo? 

quinta-feira, 14 de julho de 2011

DOIS URUBUS NA PLACA

Embora fosse cedo da manhã, acordei com a quentura dos raios do sol lambendo o lado esquerdo do meu rosto. Tive dificuldade para abrir os olhos, como se eles estivessem impregnados de alguma substância grudenta. A cabeça doía e pesava. Uma dor fina. Só aos poucos fui distinguindo as coisas, tal um animal que sai abruptamente de uma caverna, e vi que estava deitado num terreno baldio, algo parecido com um pasto, ou um campo de juquira, ou qualquer outra vegetação rasteira de beira de estrada.

Beira de estrada: supus isso porque consegui distinguir, não muito longe, o som de carros, caminhões, motocicletas. Pareciam percorrer uma pista de trânsito rápido, uma rodovia. Apesar de tonto e da respiração ofegante, tentei me levantar. Nada. Não senti minhas pernas nem meus braços. Só consegui erguer um pouco a cabeça e ver, às margens da pista, uma placa de trânsito retangular onde repousavam dois urubus. Foi quando lembrei: a boate, a prostituta loira, a ponte, os tiros nas costas, nos braços, nas pernas, no rosto.

Cheiro do queijo. É isso. Os caras fizeram a minha casa direitinho, sem levantar suspeitas. Quanto pagaram pra loira me seduzir? Quanto tempo esperaram na beira da estrada até que eu estacionasse debaixo da ponte e a prostituta começasse a baixar o zíper da minha calça? Mundo cão, lei do cão. Duzentos gramas, o que são duzentos gramas pra quem movimenta milhões?

“Chupa por cinquenta?”

“Chupo sim, delícia, e ainda engulo o leitinho”.

Filha da puta! Mas que puta mais filha da puta! E eu, o único com curso superior no morro, caí direitinho.

“Mas aqui não, menino. Vamo pro teu carro. Tem uma ponte ali. Debaixo da ponte. Não passa ninguém lá.”

“Não confia em ninguém, chapa”, sempre me disse o Negão, que nem ensino fundamental tem. Nunca levei muito a sério os conselhos do Negão. Sou um babaca, sou um mané. Os caras ainda esperaram a Samanta – assim ela disse que se chamava – me fazer gozar. A última ejaculação. Depois, só senti a mão pesada do Queixo de Bode me agarrando pelo cabelo e me puxando pra fora do carro. Pela janela, como um moleque.

“Morreu, otário!”

Em seguida, o cano da 380 do Pezão pressionando a minha nuca, enquanto do meu pênis, já flácido, pingavam as últimas gotas da ejaculação precoce.

“Bora, levanta, caminha!”

Ao mesmo tempo em que me empurravam pra beira da pista, me davam tapas na cara e chutes na bunda. Calça arriada, enxotado como um cachorro, não tive tempo de falar nada. 

“Pega cinquenta conto na bolsa dele aí, Quexada.”

Nem senti o Queixo de Bode metendo a mão no meu bolso e pegando cinquenta reais pra pagar a prostituta. Naquela hora, na realidade, eu só sentia uma coisa: o Pezão arrebentando a minha cara de coronhada.

“Tá vendo essa placa aqui?”, gritava ele, enquanto me batia. “Grava bem ela, otário. Grava bem pra quando tu chegar no inferno e o capêta perguntar onde foi que tu morreu.”

“Não, cara, pelo amor de Deus, cara! Não faz isso comigo não, Pezão! Te pago na segunda!”, supliquei, com a boca borbulhando sangue.

“Que mané paga na segunda o quê, otário. Pagamento na segunda de cu é rola. Toma!”

Aí os dois primeiros tiros, na junta dos dois braços. Em seguida mais dois, nas bolas dos joelhos. Caí novamente e depois fui arrastado pra dentro do mato.

“Aqui tá bom”, ainda ouvi o Queixo de Bode dizer, e em seguida recebi mais uns três tiros, nas costas e na cara.

Depois foi só o breu crescendo e o som de passos e portas de carro batendo e pneus queimando longe, cada vez mais longe, até eu não ouvir mais nada e apagar por completo – pra acordar só agora, com a cara inchada e o corpo todo furado. Agora, por volta das oito da manhã. Só. No meio do mato. Aleijado. Vendo apenas uma placa de beira de estrada com uns urubus em cima dela com as asas abertas. Devem tá tomando banho de sol, os malditos. Urubus de BR. Urubus medonhos.

Por sorte ainda não comecei a feder. Certamente não. Quando começar, eles sairão de lá e virão aqui pro meu lado, pra me velar. Depois, quando verem que eu já tiver virado presunto, vão me cheirar e em seguida vão começar a me bicar. Vão me comer, esses filhos da puta. Vão provar o meu pulmão preto, mastigar o meu fígado cheirando a álcool. Se duvidar vão até sentir o gostinho dos restos da pizza de Catupiri que eu comi na boate com a prostituta.

Fazer o quê? Come quem tem fome. Só me resta desejar-lhes uma boa refeição. Que dividam os meus olhos, um pra cada, mas que não metam o bico no meu cu. Que voem com minhas tripas penduradas no bico. Que bebam o resto do meu líquido prostático. Que suguem o meu sangue. E se souberem falar, que me informem qual o maldito KM que tá escrito na placa onde eles tão tomando banho de sol. Um babaca, um mané. Se o capêta perguntar, nem sei dizer em qual quilômetro morri.

terça-feira, 12 de julho de 2011

DIRT RODÓ

no último dia da rodoviária que nunca dorme
os portões do bar olho de boto continuam arqueados
o mototaxista com hérnia de disco aparece na esquina
parado debaixo do poste ele parece um sapo gordo
luz alta e luz baixa quer dizer pó e pedra

um noia com furúnculo no peito do pé
sai pulando qual saci numa amarelinha junkie
as putas grávidas se levantam na porta dos motéis
rush na madrugada, morimbundos no jardim das delícias
são três da manhã e o ônibus da guanabara chega de teresina

terça-feira, 5 de julho de 2011

INSONE PAVOR

Após deitar na cama e na iminência
da vigília transformar-se em sono,
as duas pernas brutalmente
contraídas e descontraídas em
meio segundo ou menos. O
abrupto escorregão que apesar
de fatal não derruba o corpo – o
corpo já caído sobre os negros
lençóis da madrugada. O coração
disparado depois do susto. Medo
absurdo. Pavor em estado bruto,
quase morte. Medo de dormir o
sono, penetrar lúcido no sonho e
descobrir que enquanto dorme,
sete cavalos de olhos vazados
invadem o quarto e montam guarda,
fazem austera sentinela junto à
cama. Se acorda, capaz a morte
ante o tropel do potros assustados
abandonando o quarto, rompendo
a membrana que não sabe se do real
ou do irreal. Se dorme, provável
morrer atropelado pelos cascos
dos flamejantes quadrúpedes que
fugiram do quarto e penetraram no
sono, no sonho, na consciência do
homem tenso sobre a cama.

Dormir acordado apavora homens
e cavalos.