terça-feira, 25 de setembro de 2012

LANCHE DAS QUATRO

O cheiro do café sai voando da cozinha, bate um pouco mais forte as asas na sala, depois passa, num mergulho ousado e preciso, por baixo da porta do quarto, para então entrar, bailando, profundo, nas minhas narinas. Pão, manteiga, café. Bem-aventuradas sejam as tardes e as mães.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

MEMORINHAS

(Texto republicado, mais por eu ter gostado de ser o autor da foto que o ilustra do que por tê-lo modificado -- ainda que pouco, mas modificado.)

A Gina estampada na caixinha de palitos com os dois olhos vazados. "Eu não te amo mais. Eu não te amo." Cinco urubus comendo o que sobrou do Churrim estraçalhado no acostamento da BR-010. Os três revólveres carregados que o meu pai guardava na gaveta da velha Singer. O gol do Caniggia em 90. Big Big de uva. Farinha de puba com café. A véia debaixo da cama. Fósforo riscado no meio da aula de português. Tio Zezinho cultivava um pé de maconha no quintal. Lost Highway em VHS. "Jabuti sabe ler, não sabe escrever". Em 1997, na falecida banca de revistas do Calçadão, vi a Caros Amigos Especial de 30 anos da morte de Ernesto Rafael Guevara de la Serna. O engraçado era que o deputado chamava-se Hitler Mussolini. Zé Colméia fingiu que havia sido atropelado pelo guarda florestal. BMX foi um sonho de consumo. Relógios que mudavam de cor. Minha família muambeira viajando pro Paraguay aproveitando a valorização da nova moeda. Recortava o rosto da Xuxa na Contigo e colava em corpos compatíveis na Playboy. "Por isso beija, me beija, beija que o tempo passa, eu sei". A loira do Forró do Corró. Meu irmão chorou pensando que estava com Aids quando a prostituta morreu. Peões partidos no Boi, murros no Garrafão, chupação no Cai no Poço. Chupava. A louca Lili chupava geladinho de groselha até os lábios ficarem encarnados. Que tesouro havia debaixo da grossa saia jeans da evangélica? Sonhei que matava e morria na beira da praia. J.J. Veiga. Pastel de carne bem sequinho. O tesão adolescente friccionado contra o sofá. Banho de cacimba. O outro Claudeci era melhor. Só a jaqueta do exército palestino depois da invasão da Faixa de Gaza. "Venha comigo para o reino das Ondinas". Um lindo cruzamento de letra para a pequena área. É gol do Vasco. Um oferecimento, Tramontina. Onde tem Tramontina, tem homicídio. Noise Verm e Ameaça à Moral e Catarina Mina no TNT Cocktails. Sangue e porrada na madrugada. Vinho e vadiagem no DCE. Sente-se e sinta-se sentada. Leite de Magnésio. Viu a morte só de calcinha. Um velocípede laranja desceu a ladeira. "Eu te amo, Mariazinha" escrito infinitas vezes no dois lados da folha do caderno. "Compre Batom". Retroceder nunca, render-se jamais. O caderno de confidências perguntava: "Quem você levaria para uma ilha deserta?" O pranto molhou o Conga novinho na voltar para casa depois do primeiro dia na escola. "Plunct Plact Zum". "Procê". A calda do dinossauro que andava distraido derrubou a fileira de peças de dominó. O travesti foi morto com vinte e sete facadas no meio do Mercadinho. "O último americano virgem, pela primeira vez na televisão". O banco do S nas antigas. A vida é doce. Febre de 40 graus. "O som tropical do Brasil". Chantily nos teus seios bicudos, Emanuelle. Isso não é confissão. Nem ficção. É só a lembrança de quando eu cheirava sabonetes nas prateleiras de Supermercado Real.