sexta-feira, 29 de outubro de 2010

NEI LISBOA



In: Execução da música Hein?!, do disco homônimo (1988).

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

DEURIVAL E O DISCO


"É como dizer que comeu a Carla Perez. Por que mais que seja verdade, ninguém daqui vai acretiar numa historia dessas. Não tem graça, já que a graça é contar pros outros. Então se o cara comeu, nem abra o bico senão vira piada. Imagina eu falando isso. Eu, gordinho de óculos fundo de garrafa. Quem vai acreditar se eu disser que comi a Carla Perez?"

Tenha ou não segurado o tchan da Carla Perez, a introdução do Deurival citando o exemplo da dançarina tornou a sua outra história - talvez tenha sido essa sua intenção - mais factível. Na verdade, acho que todos que estavam conosco no Bar do Gil, naquele ano de 2001, acreditaram piamente quando o Deurival afirmou ter visto um Disco Voador em uma chácara, tarde da noite, no momento em que ele e mais uns três heróis da resistência pegavam mais uma Antarctica dentro de uma caixa de isopor.

"E foi bem na hora que eu tava abrindo a cerveja no dente. Bem naquele chiadinho. Foi a tampa caindo e eu olhando, besta, aquele troço parado detrás da palmeira de coco babaçu, lá longe, perto do açude da chácara."

A princípio o Deurival não disse nada pros outros bebuns, mas o seu comportamento - o braço petrificado horizontalmente segurando a cerveja, o rosto também parado mirando o açude - chamou a atenção do dono da chácara.

"Que foi, Deuriva? Tá passando mal? Rapaz, se tu num guenta, bebe leite. Passa a cerva aí."

Deurival se levantou sem tirar o olho do Disco Voador e falou pros três homens que estavam com ele:

"Tão vendo ali, lá perto do açude? Tão vendo aquilo lá piscando detrás das palha da palmeira?"

Todos olharam pro local indicado pelo Deurival, menos o caseiro da chácara, o mais bêbado deles, que olhando pra outro rumo, perguntou:

"Caraio, que porra é aquilo mermo?"

Na época , por volta do ano 2000, não havia tefone celular com câmera embutida. O dono da chácara ainda correu pra dentro de casa à procura da Yashica da sua esposa. Não encontrou nada que pudesse registrar o fenômeno, nem caderno de desenho. Voltou pra varanda e chamou o Deurival e os outros para verificarem de perto o estrano objeto piscante.

"Vô nada", disse o caseiro.

Então foram o Deurival, o dono da chácara e um outro homem, pisando no capim alto e envergando os galhos de outras vegetações rasteiras. Aqui e acolá alguém tropeçava em algum buraco e ficava sem a cerveja do copinho descartável.

"Quando a gente tava chegando mais perto, vi melhor Disco Voador. Era parecido com uma bola de futebol americano, só que achatado e circular, quase do diâmetro de um LP.

"E o tamanho, qual era o tamanho?"

Deurival olhou ao redor do Bar do Gil sem encontrar nada compatível com o tamanho do OVNI. Até que viu, na frente da FAMA, algo que pudesse servir de exemplo.

"Tá vendo aquele ônibus ali que carrega estudante da FAMA? Pois era mais ou menos daquele tamanho."

Nessas horas sempre aparece um chato querendo fazer graça:

"E qual intinerário que tava escrito nele? Júpiter/Marte, via Ribeirãozinho?"

Deurival não se abalou, nem a gente sorriu do comentário idiota.

"Aí, quando a gente tava chegando bem pertinho dele, ele se movimentou lentamente e saiu detrás da palmeira e depois ficou parado em cima da gente. Cara, a coisa mais linda do mundo. Luz de toda cor saindo do fundo do bicho, parecia iluminação de boate. Acho que tinha algum ET querendo fazer contato com a gente, mas o idiota do caseiro apareceu correndo e gritando e rebolou uma manga no disco. Aí, meu amigo, foi que nem nos filmes. O disco se movimentou devagarzinho de novo e depois sumiu que nem um raio, sem deixar rastro."

Nesse momento apareceu o presidente da turma na esquina da UEMA e disse que a professora de Introdução ao Pensamento Geográfico ia iniciar a chamada. No caminho da sala de aula perguntei:

"E a manga, Deurival, o cara acertou a manga no Disco Voador?"

"Acertou, o desgraçado. E impressionante é que de manhã, quando voltamos ao local em que o Disco estava, procuramos a manga que o doido jogou e encontramos só o caroço. E a palmeira tava com as palhas tudo murcha."

"E a Carla Perez, não apareceu voando por lá também não?", perguntou o chato.

"Não, viado, mas a tua mãe passou muntada numa vassoura."

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

CASO SERRA: NÃO HOUVE OVNI GLOBAL

Talvez antes de outro entrevero, a Globo transmita no Jornal Nacional, com exclusividade, um terceiro Objeto Voador Não Identificado atingindo a cabeça do candidato José Serra. Um tijolo de seis furos arremessado por um homem barbudo trajando uma camisa vermelha e que seja, preferencialmente - esse detalhe o repórter destacará repetidas vezes -, ateu e a favor do aborto. (Pegando carona nesse tedioso tema, uma vez vi uma estampa anarquista em que o papa João Paulo II aparecia grávido, olhar preocupado, uma mão acariciando o barrigão como a se certificar de que aquela protuberância era real, tendo embaixo a frase: Se homem engravidasse, o aborto já seria um direito.) Retomando o tema dos OVNIs, o Objeto Voador veiculado no Jornal Nacional (que o Serra afirmou pesar meio quilo em entrevista à Record) não houve, ou pelo menos não foi filmado pelo celular do jornalista da Folha. Pero a Globo o criou, através de fusão de imagens, edição, trucagem, o escambal. E ainda contratou o perito Ricardo Molina para dar fundamento à matéria. Mas o olhar cuidadoso e a paciência do Daniel Florencio, através do Blog do Azenha, perceberam a fraude televisiva.

VÍTOR GONÇALVES NETO (IV)

INSTANTE DE INOCÊNCIA E DE REVOLTA

Uma das coisas mais lindas e dolorosas que já li na minha vida e também das mais certas e mais chocantes foi que não há coisa mais triste do que uma criança triste. E isso me vem à lembrança agora nesta manhã de Novo Hamburgo no Rio Grande do Sul onde as crianças parecem um botão de rosa. Faces rosadas como que coloridas com papel de rósea cor. Tão bonitas que a gente sente vontade de beijá-las e nelas colher mais um pouco de vida. E de inocente amor.

Mas o que aconteceu foi ontem em Porto Alegre para onde fugi sem conhecer ninguém e vice-versa. Comecei a deflorar a cidade nua com os olhos úmidos de emoção. E fui esbarrar numa praça tão florida quanto as outras e cujo nome nem quis saber. Era uma praça e pronto. Um vento frio cortava o tempo da tarde e casais se aninhavam numa bolinação mútua e quente nos demais bancos. Foi justamente quando o vi. Um garoto todo enrolado em trapos de lã, de calças compridas e pés descalços. Nas mãos uma caixa de engraxate e um sorriso de dentes alvos saindo dos lábios vermelhos que entoavam uma canção. Vinha no meu rumo com sua carga de tintas e de alegria. E foi se abaixando nos meus pés já assoviando e abrindo uma lata de graxa marrom. Pois justamente neste mesmo instante um casal se senta ao lado com um garoto da mesma idade com trajes ricos e sapatos lustrosos como sua face também. E dirigiu um olhar e um sorriso talvez de mofa ou compreensão ao engraxatezinho que se levantou derrepentemente transtornado e num instante desapareceu entre as ávores agora carregando sua carga de inúteis tintas. E de imensa tristeza também.

Nesta manhã enevoada do dia seguinte a esse acontecimento já distante de Porto Alegre alguns quilômetros, fico olhando as fachadas alemãs das casas de Novo Hamburgo. Ali se aninham nada menos que 500 fábricas de calçados trabalhando diuturnamente. São milhares de sapatos (muito milhares mesmo) que ficam no Brasil e que são exportados para as estranjas. Só que não sobrou de todos eles nenhum par para o pequenino engraxate de Porto Alegre todo enrolado de trapos de lã. As calças compridas. Os pés no frio chão. Relembro de quando ele vinha saltitante no meu rumo cantando uma canção. De quando seu assovio se chocou com o sorriso de mofa ou de compreensão de outro menininho rico. De quando ele derrepentemente desapareceu entre as árvores da praça tão triste quanto um palhaço na hora da viuvez. Carregando sua caixa de tintas. Sua capa de inocência. Sua carga de revolta.
(23.11.1980)


Vítor Gonçalves Neto
In: Crônicas das Andanças: dos vivos e dos mortos, dos bichos e das fêmeas e de outras coisas que tais. Imperatriz: Ética, 1995.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

MARILENA CHAUI

Serra X Dilma:
A tal informação e os interesses da informação da propalada liberdade de expressão.

INSÔNIA


Liga e desliga a TV. Calça o chinelo. Abre e fecha a geladeira. O olho no olho mágico flagra a motoqueiro vigilante urinando no poste. O cachorro late para não perder o costume de latir. O vizinho ronca alto.

O olho mágico flagra o olho olhando-o. O vizinho roncando é alto. Fecha a TV. O poste urina no motoqueiro vigilante. Liga a geladeira. Descalça o chinelo. O latido acorda o cachorro acostumado a latir.

O vizinho ronca no olho mágico. O motoqueiro vigilante abre a geladeira. O latido do cachorro liga e desliga a TV. O poste alto calça o chinelo. O costume fecha o olho.

Liga e desliga a TV deitado numa cama de rãs. Abre e fecha a geladeira com a cabeça apoiada num travesseiro de gafanhotos. Embrulhado num lençol de espinhos olha no olho mágico e flagra o motoqueiro vigilante urinando no poste.

Ao amanhecer- o cachorro late acostumado, o vizinho ronca alto - vê a professora jovem passando para o colégio com óculos escuros e pensa que a insônia é uma Medusa de Rayban

sábado, 16 de outubro de 2010

DAS PROIBIÇÕES


No Amarante, numa mesa de bar, conversávamos sobre os avisos impressos em papel A4 e pendurados em algumas repartições púbicas. Além da corriqueira frase Desacatar funcionário público - seguida das respectivas sanções penais: detenção, de seis meses a dois anos -, a sentença É proibido entrar trajando bermuda também é um aviso típico nesses recintos, principalmente naqueles onde o trânsito de certas autoridades é frequente. O engraçado é que a norma não vale para as mulheres que andam de saia, de bicicletinha, uma mão no guidon e a outra tampando a calcinha. Enquanto elas, lindas e loiras, transitam sem ser molestadas por fóruns e prefeituras, os homens são barrados pela simples falta de tecido nas canelas. Em alguma cidade do Brasil, um juiz recusou-se a atender um homem que calçava um chinelo e não um sapato novo e engraxado. Um sujeito sem sorte: além de pobre, humilhado. E pensar que o problema aí não foi a falta de tecido nos cambitos sertanejos - o homem trajava uma calça melindrosamente engomada -, mas falta de couro.

Desde o prédio antigo, ali em frente ao colégio Dorgival, eu frequento a Biblioteca de Imperatriz. Quando desastrosamente a mudaram para o Bolsa Família, perto do Shopping Timbira, de quebra mudaram também o seu diretor: no lugar da velha gorda, simpática e fumante, colocaram um velho ranzinza e não fumante que andava com uma perna de madeira debaixo do ombro. Quando os frequentadores ouviam o toc toc da muleta martelando no pátio que dava acesso à sala de leitura, todos ficavam mais tensos que silenciosos. Uma vez me desentendi com o velho da muleta. Ao me ver numa salinha separada da sala principal com tres livros sobre a mesa, o velho disse que eu não podia ficar ali e muito menos poderia ter pego três livros ao mesmo tempo. Eu disse que não ia sair e ia continuar lendo os três livros. Ele me chamou para olhar uma cartolina onde continha as normas da biblioteca: "Proibido conversar, proibido riscar, proibido pôr os cotovelos sobre os livros, proibido mexer nas prateleiras." E embaixo disso tudo, destacado: "À diretoria". Eu disse que tava tudo errado. "Como assim tudo errado?", bodejou o velho. "Pra começar, aqui é um lugar público. Então no mínimo o público deveria ser consultado sobres essas normas antes delas serem criadas. E além do mais, essas proibições são apenas para a diretoria, né? Ou o senhor vai dizer que craseou "À diretoria" sem querer ?".

No Old Claudeci, era "proibido sentar na cinuca", mas não apenas isso. Falar alto, mexer no DVD, aumentar o volume - tudo era alvo da represália do vascaíno com cara de português de Montes Altos. Era tanta aporrinhação que começamos a fazer piada. "Daqui uns dias vair ser proibido sujar os copos de cerveja também", falávamos. Em 2006, no famoso Bar do Léo, em São Luís, eu, Sandra, Diana, Frederico e outra menina chegamos às sete da manhã pra beber. Quando o Léo levantou o portão do mercado onde funciona o seu bar, de cara percebeu que estávamos grogue (bebíamos desde as oito da noite do dia anterior), mas mesmo assim serviu uma Antártica pra gente naquelas simpáticas mesinhas quem têm um pedal de maquina de costura embaixo. Bebemos brocados: entre uma golada e outra, traçamos um suculento galeto assado e umas duas mangas de vez. Aí, pela tarde, todo mundo doido, começou a beijação. Me lembro que enquanto o Frederico atacava os lábios de alguém, me levantei e fui até a Sandra e a beijei com um gosto de língua, frango assado e manga de mesa. Não demorou uns trinta segundos pro Léo nos separar dizendo que ali não aceitava "uma sem vergonhice dessas". Na saída do bar, não vi nenhum aviso proibindo beijo, mas vi algumas placas proibindo tocar violão e dançar.

Enchi linguiça até agora para dizer que na semana passada, numa Quarta Rock da Texana, me desentendi com o segurança que fica na porta da boate. Havia acabado a show da Pilantropia e eu, Jonhy Animal e Fabinho Cara de Pombo decidimos mexer um pouco a bunda ao som de música eletrônica e sentindo aquela fumacinha cheirosa na cara. Na entrada, o segurança me barrou. Disse que eu não podia entrar com o capacete. Perguntei onde havia a norma proibindo a entrada de pessoas com capacete na boate. Ele disse simplesmente que era determinação do dono do estabelecimento. Retruquei novamente e disse que se houvesse tal norma, ela deveria estar visível para os frequentadores da Casa. Um aviso escrito em papel A4 era o bastante - e a publicidade, dever da Casa e direito do frequentador, evitaria maiores transtornos. Mas como não havia nada - o único aviso fixado ao lado da porta era proibida a entrada de menores de 18 anos - eu disse que iria entrar com capacete e tudo. Quando vou ultrapassar a porta, o segurança - do alto de sua estupidez e vaidade de Leão de Chácara - esticou o braço de 40 centímetros de largura na minha frente. Foi a gota de cerveja. Aí eu boçalizei. "Porra, caralho, agora eu vou é te prender por constrangimento ilegal, seu merda." E ia mesmo, mas o Fabinho Cara de Pombo entrou no meio, pegou meu capacete, me empurrou pra dentro da boate e disse que ia resolver a parada. Depois de uns dois minutos o Fabinho aparece bebendo uma Skol Beats no gargalo e descendo até o chão ao som do Black Eyed Peas. Grito no ouvido dele: "E o capacete?". E o Fabinho, dando um baforada num Free: "Convenci ele a guardar pra mim."

*

Na ilustração acima, desenho do argentino Leo Durañona narrando o conto Diante da Lei, de Franz Kafka, incluso na HQ Kafka em Quadrinhos.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O MESMO

O mesmo andava pela principal avenida da cidade quando viu, na frente de uma calçadeira, a Barra Circular vermelha estacionada. O mesmo ainda tentou resistir à tentação, mas não conseguiu. Chegou perto da magrela, passou a perna por cima e saiu pedalando como se ela fosse sua. Era Natal e a avenida estava movimentada. Alguém viu o mesmo furtando a bicicleta e avisou uma dupla de Cosme e Damião que estava próxima do local. Antes do mesmo dobrar a esquina, os policiais militares o agarraram e o conduziram para a delegacia, não sem antes darem muito na cara do mesmo, fazendo o mel descer da sua venta.

Na porta do Plantão Central, vários repórteres já esperam o mesmo, que chegou algemado e segurando a bicicleta pendurada pelo lado de fora do camburão. Na permanência, perguntado por um repórter – um repórter gordo – sobre o motivo de seu calção estar rasgado, o mesmo falou: “Num ti interessa”. O repórter gordo ficou alterado e gaguejou por uns instantes, mas logo posicionou-se olhando para câmera de modo que o mesmo, algemado, aparecesse em segundo plano atrás de si: “Um vagabundo desse ainda é saliente! Rouba e fica tirando graça. É muita cara de pau de mermo... Depois que a população mata um infeliz desse de paulada aí vem os direito zumano defender uma praga dessa.” Depois, recomposto, perguntou ao policial: "Cabo Deusimar, como se deu a prisão do mesmo?" O policial encostou o braço no balcão da permanência e disse: “A gente tava fazendo o patrulhamento de rotina no centro quando fomos avisado de que o mesmo tinha roubado uma bicicleta. Aí a gente caiu em campo e conseguiu capturar o mesmo. Na hora da prisão ele já tava dominado pela população que aliás já tinha batido muito no mesmo”. O repórter gordo então comentou, apontando para o mesmo: “Esse pode levantar as mão pro céu, minino!”. E depois, colocando uma mão no ombro do Cabo Deusimar: “Se num fosse o polícia aqui, a população tinha dado um jeito no mesmo”.

Outro repórter – esse baixinho e careca – chegou perto do mesmo e perguntou: “Rapais, por que tu robô essa bicicleta, a bicicleta de um trabalhadô?” O mesmo respondeu, cabisbaixo: “Num sei não, dotô. Parece que é uma doença que eu tenho, essa de robá”. O repórter se afastou do mesmo e, falando baixinho, bem próximo à câmera, como se falasse naquele momento somente com o telespectador: “Doença? Essa é nova! Isso é muito é um mão de carrapicho, meu amigo: onde bate, aprega”. Depois, retornando ao mesmo: “Rapais, sai dessa vida, tu é novo. Te entrega pra Jesus. Trabalha que tu consegue as coisa.” E enquanto o mesmo era conduzido pro gabinete do delegado, o repórter baixinho e careca posicionou-se na frente de um banner promocional e anunciou: “Tá pensando em construir? Tijolo? Cimento? Pia? Telha? Vaso sanitário? Não tem outro não, é Material de Construção do João.”

Quando o mesmo adentrou no gabinete, lá já estava a repórter bonita e cheirosa, em momento íntimo com a autoridade policial. Enquanto o delegado, desprevenido, tentava acertar o buraco do botão da calça, a repórter bonita e cheirosa, tentando se recompor, ajeitava o cabelo e segurava o microfone com força além do habitual. Comunicado por Cosme e Damião a respeito do delito, o delegado – um homem jovem e disposto – procedeu à autuação em flagrante delito do mesmo. Perguntado ao mesmo o por que do furto, o mesmo respondeu: “Sabe, dotô, eu só ia dá uma volta na biscleta, depois ia dechá ela lá no mermo lugar”. Terminado o flagrante e recolhido o mesmo para o presídio, a repórter bonita e cheirosa barganhou uma entrevista com o delegado. No jornal das sete, ela perguntou: “Delegado, o que o mesmo disse a respeito do furto da bicicleta”. “Ele, como todos os outros meliantes, a principio negou, mas no fim acabou reconhecendo a autoria do delito. Interessante é a motivação defendida pelo mesmo: um simples passeio. Segundo o mesmo, ele queria a bicicleta apenas para passear, devolvendo-a depois ao dono. Ora, é sabido que na França isso é possível. Lá o governo disponibiliza um serviço que possibilita a qualquer citadino apanhar uma bicicleta em determinados pontos da cidade e usá-la por determinado período, desde que pague uma taxa para tanto e devolva a bicicleta onde a apanhou ou em outro ponto credenciado. O que não é o caso do Brasil e muito menos do mesmo, evidentemente. Então temos quase certeza de que o mesmo iria trocar a bicicleta por pedras de crack, já que manchas nos dedos do mesmo denotam o uso regular do entorpecente.”

Terminada a entrevista, a repórter bonita e cheirosa enlaçou o delegado e sussurrou, quase enfiando a língua em seu ouvido: “Gosto muito desse teu cheiro de homem. Meu gostoso...” E o delegado, apertando-a pela cintura de modo a fazê-la sentir o volume de sua pistola e levantando-a um pouco acima do chão: “Hum... é mesmo?”