Quem diria que numa noite um pouco chuvosa de segunda-feira eu encontraria o Davison e o Santos, velhos companheiros de um já distante movimento estudantil uemiano? Mas lá estavam eles, abancados no Bar do Gil, bebedendo a boa e velha cervejinha do recinto na companhia de outras figuras não menos ilustres egressas da Uema. Não podeira me furtar àquela celebração um tanto convidativa e desapeei para rever os amigos.
Conversa vai, conversa vem, acabamos por enveredar pelo cinema. O tal do Avatar. O Davison havia assisto ao filme em São Luis e disse que ficou embasbacado com o roteiro, a fotografia, os óculos 3D (que ele de vez em quando tirava e botava, incrédulo), enfim com a aula de direção do James Cameron. Outra fita que emergiu na mesa foi Atividade Paranormal. Dizem que é o novo A Bruxa de Blair. Muita gente não gostou, fuzilou o fime: plágio, oportunismo, superficialidade. Não sei. Estou na fissura para assisti-lo, pricipalmente depois de ter lido um texto do Jorge Coli - colunista do Caderno Mais da Folha de São Paulo - sobre a película. E já que o tema era filme que bota medo, pulamos logo pro terror oriental. Um terror que não nos assusta ao estilo hollywoodiano - o Jason nos perseguindo segurando uma cabeça decapitada numa mão e um facão na outra, ou trucidando um casal em pleno coito para satisfazer a moralidade do puritanismo americano -, mas um terror que explora o medo do desconhecido. O Chamado, por exemplo, na sua versão japonesa, original. Quando assisti ao filme, numa noite de domingo, tive, como Kafka, sonhos intranquilos: ao domir, sonhei que a silhueta da menina do filme aparecia na janeja do meu quarto. Acordei assustado, e mais assustado fiquei ao olhar para a janela e perceber - ou imaginar - um vulto como que a sumir atrás das vidraças. Peguei pregos, martelo, uma velha rede no guarda-roupa e dei um jeito de tampar a janela. Nos finalmentes, o Davison confessou que tem medo de meninas cabeludas que ficam em cima de uma mesa balaçando os pezinhos e pedindo alguma coisa com a mãozinha estendida. Isso é realmente assustador, mas eu e o Santos concluimos que temos medo do escuro, do breu absoluto.
Para mudar de assunto, revisitamos a velha e idiota rivalidade entre Imperatriz e São Luís. Essa dicotomia forçada que gera desde brigas de internautas em comunidades do Orkut até comparações das mais absurdas, como a que afirma que as mulheres de cá são infinitas vezes mais bonitas que as de lá. Sem falar que o termo "interior" sempre é tomado na acepção de "matuto", e nunca com o significado do que está dentro, e não na beirada, no litoral. Em dado momento, ouço do Santos ou do Davison a história de um jornalista da cidade que, em viagem à ilha, na praia, se recusou peremptoriamente a comer uma pescada. Diversas vezes convidado, deu pra trás afirmando que o mandi do Tocantins é muito melhor do qualquer pescada de São Luis. Eu mesmo tenho de medo de radicais.
Outro tema que nos tomou uns goles de cerveja foi a morte. Não a morte dos compêndios filosóficos, dissecada por intelectuais, mas a morte nossa de cada dia, como a recente morte do Junior da River, um cara que até pouco tempo esteve conosco no Gil dividindo uma mesma mesa de bar. É muito estranho saber que nunca mais o veremos sentado próximo ao balcão na companhia do Márcio Papel, bebendo cerveja, gargalhando e vez em quando mordiscando um queijo com salame, orégano e azeite de oliva. Mas assim é, e no momento em que estamos mais esquecidos dela, a Miss Death nos dá um tapa na cara – geralmente materializado na partida de um amigo - como a nos lembrar que um dia, um dia - bom, o melhor é mudar de assunto.
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Disse para mim mesmo que não ia mais postar nada sobre o Amarante neste Hotel Subterrâneo. Primeiro porque uma pessoa insuspeita se travestiu de anônimo para escrever um comentário me chamando de fofoqueiro, de Tia de Calçada (mas eu sei quem foi: o meu blog tem bina), e segundo, porque não quero (não por medo, mas por falta de saco) responder a processo administrativo e/ou ser processado por alguém. Mas o caso em tela é muito pitoresco para não ser compartilhado aqui. Muito amarantino. Ei-lo: certo dia, a viatura da polícia quebrou e foi mandada para a oficina mecânica. O mecânico trabalhou obstindadmente, dia após dia, rebimboca da parafuseta após rebimboca da parafuseta, até concertá-la. Depois encheu-se até as orelhas de cachaça e foi acometido da excitante ideia de fazer umas blitzizinhas pela cidade. E se mandou para uma esquina, ele e mais dois índios também devidades bêbados, e começou a parar carros, motos, bicicletas. Vai que, certa hora, ele parou um policial mitilar que estava de folga, transitando numa motocicleta. O militar a princípio estranhou aquele novo tira, mas o mecânico impôs a sua autoridade policial de forma incisiva:
-Documento da moto e habilitação, por favor.
E depois de olhar os documentos:
-Tá vindo de donde?
-Tô vindo da casa de minha namorada. Sou policial aqui da cidade - o PM respondeu.
-Ah, é?
-É. Sou.
-E cadê a tua farda?
-Tá em casa, hoje eu tô de folga.
E o mecânico, com uma mão na cintura, a outra na viatura, pernas cruzadas, utilizando um timbre de voz de displicente superioridade hierárquica:
-Não justifica, guerrêro.
Foi quando o PM sentiu um potente bafo de cachaça na cara e percebeu os dois índios dentro da viatura. Aí deu voz de prisão pro homem, para ele largar de ser "doido" e voltar a ser mecânico.