Então eu pulava uma barreira. A primeira dos 100
Metros com Barreira. Eu pulava alto, músculos e nervos no ápice, em
câmera
lenta. Estava bem fisicamente, estava preparado, confiante, adestrado
para correr e
saltar. Eu pulava a barreira e sentia o ar do Estádio Olímpico de
Londres
penetrar nas minhas narinas. Eu olhava pra baixo e via o meu tênis Nike
branco
pairando em cima da barreira. Era tudo tão nítido que eu podia ver até
uma fila
indiana de formigas trabalhando na divisão do gramado com a pista de
atletismo.
Eu ouvia a torcida brasileira gritando Braa-sil, Braa-sil, Braa-sil. Eu
via
bandeiras verdes e amarelas tremulando, o batuque de tambores, a dança
frenética das mulatas na arquibancada. Eu não havia usado Neosoro nem
dilatador
nasal. Eu não lembrei de usá-los. Talvez por isso, o barulho estranho de
tratores trabalhando na minha
garganta. Talvez por isso a inquietação e os espasmos. O meu pé se
enroscando primeiro na barra de ferro da cama,
pra depois ficar preso na barra de ferro do sonho e eu cair feio, muito
feio no
chão do quanto, ao passo que minha cabeça – uma pesada melancia – se
espatifava em inúmeros pedaços na raia 6 do Estádio Olímpico de Londres.
segunda-feira, 28 de maio de 2012
domingo, 6 de maio de 2012
ECLIPSE
Recortei um pedaço da chapa do pulmão do meu pai e fui ver o eclipse.
Eram três da tarde no quintal lá de casa e as galinhas bicavam a lama debaixo
do giral. Coloquei a chapa entre os meus olhos e o sol e vi meu pai com pouco
mais de quatorze anos comprando uma carteira de Continental em Chapadinha. Eu
vi o meu pai fumando muito. De manhã, à tarde e à noite. Acendendo um cigarro
na brasa do outro. Tragando ao dar o primeiro beijo em minha mãe e soltando a
fumaça ao espanca-la pela última vez. Fumando com o médico no intervalo
do exame do escarro. Fumando pouco antes de entrar no caixão que o levaria para
o Jardim das Rosas. Eu me impressionava olhando o sol através da chapa de seu
pulmão e me espantei ao ouvi-lo chamar “Luís!” atrás de mim, mas, quando olhei,
não vi nada. Só as galinhas desconfiadas escurecendo junto com o eclipse total
do sol.
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