segunda-feira, 13 de junho de 2011

NA ESCOLA, LÁ LONGE

no primeiro dia voltei pra casa soluçando e querendo a minha mãe, o conga
novinho ficou todo molhado de pranto e o meu pai ameaçou me dar uma surra

no segundo dia eu continuava sem entender. mas o que diabo era aquilo, um
bocado de menino sentado um atrás do outro e uma velha na frente falando?

no terceiro dia apareceu uma menina que não tinha aparecido ainda e trouxe
com ela a tira colo uma bolsa de plástico muito colorida com suco e bolo dentro

no quarto dia eu e mais dois colegas operamos a menina da lancheira nos fundos
da escola. cirurgia delicada mas valeu a pena: provamos o bolo e o sucozinho dela

no quinto dia alguém riscou fósforo no meio da aula, alguém peidou, alguém viu
jesus na parede, alguém chorou, o professor de dois mais dois se matou enforcado

no sexto dia a tia apujaci contava a parábola do bom samaritano e eu desenhava
bocetas aladas querendo que elas saíssem do caderno e voassem pela sala

terça-feira, 7 de junho de 2011

FIGURAS DO MEU ÁLBUM (V)

NICE REJANE ("RÊ BORDOSA")
Lembro-me bem do poema que ela declamou no palco do Ferreira Gullar, num desses finados festivais de poesia. Os versos eram bons e falavam da Copa do Mundo de 1982, do Paolo Rossi e – acho que na verdade não lembro bem – de um homem ou uma mulher caolha. Lembro também que em determinado momento ela levantou a blusa – estava vestida como uma autêntica Rê Bordosa – e mostrou os seios fartos e profanos para o público ignaro. Que seios, que mamas, que peitos. Eu já mamei na Nice Rejane. Não nas tetas, mamãe. Eu mamei nos lábios da Nice durante todo um show da banda Catarina Mina no saudoso TNT Cocktails. Nessa época ela era acadêmica de História e de vez em quando andava pela Uema nua e pintada de lama na companhia de um estudante de letras distribuindo um jornal que, se me lembro bem, se chamava Anticristo. Salvo engano ela ainda andou algumas vezes na companhia desse estudante – só que vestida e para o fórum, por conta dessa desobediência civil. Nessa mesma época, pouco antes de conhecê-la, eu era um cara magrinho recém-entrado na Uema que fumava compulsivamente e observava aquilo tudo com curiosa timidez. Mas vai que um dia, ou uma noite, eu a conheci. No bar do Gil, creio. E bebemos cerveja e conversamos e combinamos de nos encontrar para assistir alguns filmes. E de fato passamos a assistir diversos filmes lindos nos sábados à tarde. Dois, às vezes três filmes de uma tacada só. E depois saíamos zonzos de tanto cinema para o Bar do “Seu” Berla, para em seguida, mais zonzos – agora de cerveja – descer a ladeira da beira rio e dançar ao som de uns rocks e outras músicas estranhas para o ambiente, que escolhíamos literalmente a dedo na jukebox do Cais Bar. Doors, Cassia Eller, Pink Floyd. O bar inteiro era obrigado a ouvir nosso gosto musical e a tolerar a imagem dos nossos esqueletos bêbados balançado desengonçadamente entre as mesas sertanejas. Ainda guardo aqui nos meus arquivos, numa caixinha de papelão, o belo convite de um dos seus aniversários. Porque os aniversários da Nice são os melhores. Parafraseando o Nani Viera, “a melhor cerveja, o melhor churrasco”. Lembro-me especialmente de um que aconteceu na Vila Ipiranga. Cheguei lá e já encontrei o Gilberto Freire com sua Coca-Cola KS, a Didi falando alto, o Pinho abraçando a Didi e tentando beijar o seu pescoço por trás e o Benzão assando a carne entre um baseado e outro, além de diversas outras figuras bêbadas e felizes. Acho que nesse dia tão especial a Nice tava de bode com o Partido, porque em determinado momento – acho, não tenho certeza, eu já tava “alto” – ela pegou uma bandeirinha com a estrela do PT e falou alguma coisa, um desabafo, um desagravo regimental. A Nice, aliás, argumenta muito bem. Cansei de vê-la pegar o microfone em alguma greve ou eleição da Uema e deixar no chinelo alguns pobres mortais de argumento diferente do nosso – porque felizmente os argumentos sustentados pela Nice eram sempre convergentes aos nossos. Feliz de quem dividir a cama, a mesa e o banho com a Nice, essa menina às vezes amarga e sarcástica que tem uma gaitada deliciosamente incomum. “Enfim” – pra usar uma expressão que lhe é recorrente – já faz um tempo que não a vejo. Ao menos não a vejo com frequência. É que a gente acaba tomando outros rumos. “Se institucionalizando”, como diria o Josias Moraes, e isso acaba nos privando de algumas pessoas. Mas sempre que a vejo, nem que seja dormindo bêbada numa cadeira num fim de festa, como a vi recentemente no Boteco do Frei, me dá uma sensação boa. Nesse dia, aliás, quando tava indo embora, dei um beijinho de leve na sua face, cuidando para não acordá-la. Porque lhe desejo os melhores sonhos. Porque gosto demais dessa Rê Bordosa. Porque pra mim, ela, como diz o texto do Oscar Wilde sobre amizade que li pela primeira vez no seu convite de aniversário, é daquelas pessoas escolhidas não pela pele, mas pela pupila, porque tem aquele brilho questionador e aquela tonalidade inquietante.

domingo, 5 de junho de 2011

TOM WAITS

Algumas músicas do Tom Waits são como a mão pesada de um Deus vingativo recaindo sobre os infieis. E escutá-las é como acariciar rolos e rolos de arame farpado.
  
Christmas Card from a Hooker in Minneapolis.
(Cartão de Natal de uma puta de Minneapolis.)


Charley I'm pregnant/and living on 9-th street/right above a dirty bookstore/off cuclid avenue/and I stopped taking dope/and I quit drinking whiskey/and my old man plays the trombone/and works out at the track./and he says that he loves me/even though its not his baby/and he says that he'll raise him up/like he would his own son/and he gave me a ring/that was worn by his mother/and he takes me out dancin/every saturday night./and hey Charley I think about you/everytime I pass a fillin' station/on account of all the grease/you used to wear in your hand/and I still have that record/of little anthony & the imperials/but someone stole my record player/how do you like that?/hey Charley I almost went crazy/after mario got busted/so I went back to omaha to/live with my folks/but everyone I used to know/was either dead or in prison/so I came back in minneapolis/this time I think I'm gonna stay./hey Charley I think I'm happy/for the first time since my accident/and I wish I had all the money/that we used to spend on dope/I'd buy me a used car lot/and I wouldn't sell any of em/I'd just drive a different car/every day dependin on howI feel./hey Charley/for chrissakes/do you want to know/the truth of it?/I don't have a husband/he don't play the trombone/and I need to borrow money/to pay this lawyer/and Charley, hey/I'll be eligible for parole/come valentines day.

ei charley estou grávida/vivendo na rua nove/bem em cima de uma livraria suja/quase na avenida cuclid/e parei de me drogar/e deixei de beber uísque/e meu velho toca trombone/e trabalha nas ruas./e diz que me ama/mesmo que não seja dele o bebê/e diz que vai criá-lo/como se fosse seu/e me deu um anel/que foi usado por sua mãe/e me leva pra dançar/todo sábado à noite/e ei Charley penso em você/toda vez que passo por um posto de gasolina/por causa de toda aquela vaselina/que você usava no cabelo/e ainda tenho aquele disco/do little Anthony & the Imperial/mas alguém roubou meu toca-discos/o que você acha?/ei charley quase fiquei louca/depois da prisão do Mario/logo que voltei a Omaha/pra viver com meu pessoal/mas todos os que conhecia/estavam mortos ou na cadeia/e voltei a minneapolis/esta vez acho que vou ficar/ei charley acho que sou feliz/pela primeira vez desde meu acidente/e queria ter todo o dinheiro/que eu gastava em drogas/compraria um lote de carros usados/e não venderia nenhum/pra poder dirigir um diferente/dependendo de como me sentisse/ei Charley/pelo amor de Deus/quer saber/a verdade?/não tenho marido/não toca o trombone/e preciso de um empréstimo/pra pagar o advogadoe Charley, ei/poderei sair sob fiança/vem no Dia dos Namorados

Tradução: Blog Maloka Elétrica.