De repente, não mais do que de
repente, como diria o poeta, eu que pensava já ter pendurado as minhas surradas
chuteiras quanto às questões culturais artísticas da minha cidade, me vejo, no
rebuliço de um mundo “internético” (para o qual, dada a minha confessa
inabilidade para com o mundo tecnológico, me sinto um verdadeiro analfabeto,
portanto, nada “doutoresco” como alguns desavisados, por não me conhecerem, se
sentiram violentados pelo simples fato do título, o que, no mínimo, me causou
estranheza. A estes, digo mansamente, não tenham medo: um título é um título e
ele não é nenhuma víbora a trucidar alguém, e muito menos, que eu saiba, não eleva ninguém às alturas. É tanto, que
continuo ainda encantado pelas modorrentas miudezas do meu cotidiano). Porém,
sei lá pelas quantas, diversas pessoas falaram que eu estava sendo motivo de um
embate no Facebook. Como sempre estive
ausente das ditas “redes sociais” (não afirmo isto como mérito, mas além de um
alimentado “analfabetismo”, a falta de paciência tem sido uma das minhas
virtudes e, por consequência, defeito).
De início, ao saber do fato, despontava,
sem nenhuma petulância, a senil e eterna resposta: “ah, é!”.
Pois é, mas o que parecia ser um
instante/algo a ser descartado, na mesma velocidade como o que foi feito,
terminou por ter algumas sobrevidas, e assim, ao saber que o nível do
embate/discussão rasteiramente se instalou nas reentrâncias corporais, sem ter
que recorrer ao explícito do mundo,
citado, musicalmente, por Caetano Veloso, resolvi ler as tão “curtidas”
páginas.
De antemão afirmo, não me
espantei, principalmente com algumas afirmações grosseiras. (E talvez este seja
o verdadeiro motivo que até hoje não faça parte da “rede”.) Ao ler,
sinceramente, não sabia se ria da desgraça ou chorava diante das torpezas
humanas.
Na dúvida, resolvi, que em
respeito a alguns e outros tantos intolerantes, fazer alguns esclarecimentos
que, de antemão, sei que de nada servirão.
Mas, vamos lá...
Uma destrambelha pérola desinformativa:
Alguém disse que sou professor da
UFMA e que assistiu uma palestra e eu só falava do doutorado que fiz na Europa. Este dado na minha
biografia eu desconhecia: Não sou professor da UFMA, nunca fiz uma palestra lá,
tão-somente, com muito prazer, um minicurso sobre cinema e nunca fui à Europa, portanto, até hoje nunca
me autoproclamei “Doutor” e muito menos “Doutor europeizado”, e menos ainda,
por enquanto, penso eu, não tenho a capacidade de estar em dois lugares ao
mesmo tempo, isto é, não era eu o jurado de um concurso de arraiá em 2010, pois
eu estava no Rio de Janeiro (UFRJ), fazendo o dito cujo doutorado. Já me
acusaram de muitas coisas, mas onipresença, não nego, é completamente inusitada.
Acho que devem ser tonterias e vanices
da alma humana.
Pequeno manifesto para algum desavisado que ainda não saiba:
Nunca fiz, nem montei qualquer
espetáculo que se aproximasse do Teatro do Absurdo, e nunca subi ao palco, pois
não sou ator, nunca pretendi e, portanto, nunca serei. O ‘adjetivesco’ da
inveja não habita o meu ser.
Quanto à questão do Grupo Okazajo, antes de mais nada, é necessário
alguns miúdos esclarecimentos:
1. Não sou da turma, não vi e odeio
(e respeito a quem assim se posiciona).
2. Meu primeiro contato foi
exatamente quando o grupo surgiu. Como fazia parte da “turma” envolvida nas
questões culturais da cidade, evidente que estreitei, dentro do possível,
contatos. NUNCA vi, participei ou soube que ao Grupo Okazajo foi negado acesso
ao Ferreirinha.
3. NUNCA vi, e ninguém da “turma”, o
Grupo Okazajo como adversário ou coisa parecida (para os desavisados, é
fundamental afirmar que sempre éramos tão poucos (como até hoje), que os tão
poucos eram sempre bem vindos).
4. Como na época era Presidente da
FCI, procurei o Rogério, por diversas vezes, e disse que, como eles estavam
começando, era interessante que se cercassem de conhecimentos, outras
experiências, e se o grupo quisesse buscaríamos todo o tipo de apoio,
principalmente trazer “fazedores” teatrais para dar oficinas, etc. Se a
proposta não fecundou, foi uma questão de escolha, o que sempre respeitei.
Hoje, com serenidade, não me envergonho de
dizer que todas as batalhas, as infindáveis lutas pelas questões artísticas de
nossa cidade, das quais participei, a partir dos anos 80 do século passado, com
dezenas de companheiros (alguns vencidos pelo tempo, outros ainda a saboreá-lo),
valeram a pena. Vencemos algumas, fomos vencidos em dezenas, mas participamos e
sei o quanto foi e é importante. Nem por isso me acho “dono”, ou um “ser
supremo” ou coisa parecida. Fiz, como tantos outros, pelo PRAZER de fazer e
isto bastava e até hoje basta.
Ao pendurar minhas mal ajambradas
chuteiras artísticas, o fiz não por cansaço, desilusão, inveja ou coisa
parecida. Fiz por que senti que não tinha mais nada a contribuir artisticamente
para com a cidade que adotei de coração e alma. E sou daqueles que se você não tem nada para acrescentar, o melhor
é pedir licença e sair.
Porém sair, não é deixar de
existir, de continuar pelejas outras. Meu campo de ação, hoje, é o meu ofício:
ser professor, e isto me basta enquanto prazer tiver e a responsabilidade de
sê-lo persistir.
Antes de ser profissionalmente o
que sou e o que já fui, sem nenhum pudor
me declaro como alguém que é serenamente um aprendiz, porém, não consegue sentar à beira do caminho, ou
como diria com maestria Expedito, remontando o dizer de Mariátegui, eu sou daqueles que acreditam que “devemos ser palco na vida, e não plateia”.
Quanto a tantos impropérios...
Primeiramente, é necessário reafirmar que as circunstâncias de uma sala de aula não conseguem ser reproduzidas em um texto, pois, o produzido sobre o acontecido, sempre
deixa lacunas, destrói a ambiência do quê, o porquê e como foi dito. Mas, mesmo
assim, vale refletir sobre algumas questões que estão sendo focos de
discussões/embates ou impropérios:
Todas as vezes que o Grupo
Okazajo é citado nas minhas aulas, ele é utilizado muito mais como um marca de
um fazer “teatral” que, como uma invasão bárbara, assolou todo o nosso país, do
que especificamente o Grupo e seus membros. Cito o nome, como poderia citar
tantos outros, porém, estou em Imperatriz e a referência para muitos é o
Okazajo e seus afins, até para que haja uma compreensão do que estamos a
falar/discutir na sala.
Aliás, mesmo se não tivesse estes
motivos/motivações, isso não me impediria (e nunca me impedirá) de na sala de
aula ou em qualquer outro lugar, falar sobre questões que acho pertinentes a
serem discutidas/questionadas.
Não vou aqui desfilar um rosário
de teorias sobre o que é a arte e as suas tantas querelas (se a
alguém se interessar, não me furto, aliás, terei o maior prazer de
conversar sobre), aqui, por necessidade, em poucas palavras, tentarei
explicitar o que há muito tempo vem me incomodando nos insensatos dizeres
“pós-modernosos” (e não quanto à questão da pós-modernidade, como bem citou
Mayara).
Inicialmente, posso discutir
sobres muitos fazeres humanos, inclusive o artístico, mas não aceito, de
antemão, discutir números, quanto a leitores/ouvintes/espectadores, para
referencializar ou referendar o que seja ou não uma obra artística. Acho que o
argumento vale muito mais para a economia, mercado ou coisas afins. Segundo,
não sou o dono da verdade, muito pelo contrário, pois me interessa muito mais
as dúvidas, os questionamentos, as perguntas. Aliás, há muito acredito que as
perguntas são muito mais interessantes que as respostas.
Sendo mais específico quanto aos
meus questionamentos sobre um fazer “teatral” que se diz válido, quem sou eu
para determinar o contrário, cada um faça o que bem entender, porém não exija o
silêncio medíocre e/ou os aplausos retumbantes. Por isso, não posso, nunca, me furtar de
perguntar:
O que fazer diante de um
“espetáculo” que não só é conivente com os mais indignos preconceitos, mas os
alimenta, saboreia em risos as suas torpezas? Que “arte” é esta que além de
alimentar o medíocre senso comum, serve como arma contra aqueles que, ao saírem
do palco, serão achincalhados/violentados como seres humanos? Isto é “comédia”
ou uma autoproclamação à insensatez humana? É o riso ou uma orgiástica
necessidade de, pelo menos, agradar para depois ser trucidado?
O que é isso? Os números não me servem como resposta.
Subir em um palco é o suficiente
para dizer que está fazendo teatro? Escrever um livro impõe, ao fazedor, o
direito de se autoproclamar escritor? Bater uma foto ou fazer um vídeo, necessariamente, para quem o faz,
possibilita a se afirmar como fotógrafo
ou cineasta? O “autor-ator-fotógrafo-cineasta etc.” até tem o direito de fazê-lo,
mas exigir dos outros que também o faça é, no mínimo, exigir demais (para não
dizer outra coisa). Sempre digo, e continuo a afirmar, um dos nossos problemas,
na atualidade, é que cada vez mais as pessoas só querem ser “artistas” e não,
também, leitores/espectadores/ouvintes.
Só sei que nesta balança há muito
que “não vale quanto pesa” (referência ao filme de Sergio Bianchi).
Não tenho dúvida que a conquista
aos meios de produção, por parte dos artistas, possibilitou uma quebra de
paradigmas e tutelas. Hoje, escrever um livro, fazer um filme-vídeo, gravar um
cd-dvd, etc. é, infinitamente, mais
fácil. Porém, como contraponto, os “artistas” facilmente caíram na armadilha
narcísica de, antes de qualquer coisa, se autonomearem, como se o meio de
produção chancelasse a sua condição de ser.
É exigir demais de quem assiste,
ouve ou ler.
Que “fazer artístico” é este que
qualquer senão para com ele se torna algo “contra a liberdade de expressão”?
Que “fazer artístico” é este que só sabe conviver com os aplausos? Assim sendo,
só resta perguntar: Isto é um "fazer artístico"?
Sei o quão é difícil o fazer
artístico em nosso país. Sei, e bem sei, o quão inglório é persistir no fazer
artístico em nossa cidade.
Como artistas, espectadores,
leitores, ouvintes, todos aqueles que se interessam pela expressão artística de
nossa cidade, de alguma forma, se tornam quase, inevitavelmente, em seres
“esquizofrênicos”. Repartidos em sempre
ser solidários com todos aqueles que têm a coragem de se expressar
(artisticamente ou não), e, ao mesmo tempo, discordantes diante de diversos resultados vistos/lidos/ouvidos ou indignado
diante da insana obrigação de aplausos retumbantes, ou silêncios canalhas.
Sou, descaradamente, desta
linhagem. Porém, não aceito mais desempenhar o papel da obrigação ou do
silêncio. Talvez assim, eu possa estar contribuindo para algum fazer da minha
cidade.
E de repente, não tão de repente,
tudo isto me fez perceber que, pelo menos parece, eu não pendurei totalmente as
chuteiras como pensava.
O que é a vida senão estes sustos
da alma.
Gilberto Freire de Santana
16.11.2013
P.S.: Como espectador
cinematográfico que sou, aproveito para indicar os seguintes filmes: (1) para
quem, de alguma forma, quer saber uma
das fontes deste fazer teatral atual, e
perceber o quão os seus “filhotes” desvirtuarem um fazer, ali sim, transgressor
, libertário, assista: Dzi Croquete, de Tatiana Issa e Raphael Alvarez; (2) para
quem se interessa em pensar/questionar esse riso frouxo, que se diz “teatral”,
que assola o nosso país, veja: O riso dos outros, de Pedro Arantes; e (3) quem
quer pensar sobre a questão palco/plateia, o filme Um lugar na plateia, de
Danièle Thompson , é uma boa.