domingo, 6 de maio de 2012

ECLIPSE

Recortei um pedaço da chapa do pulmão do meu pai e fui ver o eclipse. Eram três da tarde no quintal lá de casa e as galinhas bicavam a lama debaixo do giral. Coloquei a chapa entre os meus olhos e o sol e vi meu pai com pouco mais de quatorze anos comprando uma carteira de Continental em Chapadinha. Eu vi o meu pai fumando muito. De manhã, à tarde e à noite. Acendendo um cigarro na brasa do outro. Tragando ao dar o primeiro beijo em minha mãe e soltando a fumaça ao espanca-la pela  última vez. Fumando com o médico no intervalo do exame do escarro. Fumando pouco antes de entrar no caixão que o levaria para o Jardim das Rosas. Eu me impressionava olhando o sol através da chapa de seu pulmão e me espantei ao ouvi-lo chamar “Luís!” atrás de mim, mas, quando olhei, não vi nada. Só as galinhas desconfiadas escurecendo junto com o eclipse total do sol.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gosto das galinhas que bicam em baixo do varal.