Recortei um pedaço da chapa do pulmão do meu pai e fui ver o eclipse.
Eram três da tarde no quintal lá de casa e as galinhas bicavam a lama debaixo
do giral. Coloquei a chapa entre os meus olhos e o sol e vi meu pai com pouco
mais de quatorze anos comprando uma carteira de Continental em Chapadinha. Eu
vi o meu pai fumando muito. De manhã, à tarde e à noite. Acendendo um cigarro
na brasa do outro. Tragando ao dar o primeiro beijo em minha mãe e soltando a
fumaça ao espanca-la pela última vez. Fumando com o médico no intervalo
do exame do escarro. Fumando pouco antes de entrar no caixão que o levaria para
o Jardim das Rosas. Eu me impressionava olhando o sol através da chapa de seu
pulmão e me espantei ao ouvi-lo chamar “Luís!” atrás de mim, mas, quando olhei,
não vi nada. Só as galinhas desconfiadas escurecendo junto com o eclipse total
do sol.
Um comentário:
Gosto das galinhas que bicam em baixo do varal.
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