sexta-feira, 25 de setembro de 2009

SÉRGIO SANT'ANNA E EDWARD HOPPER

Nighthawks - tela de Edward de Hopper (1942)


"Mas algo, agora, bem mais quieto e manso e, no entanto, de uma melancolia tão profunda, que porém não se afirma ou explica e é mesmo muito bonita e, entretanto, apenas isso: um balcão de lanchonete numa madrugada americana de 1942 entrevisto de fora, através de um vidro, e onde se percebe, em primeiro plano, um homem sentado de costas para a rua, vestido de terno e chapéu e que, silencioso, concentra-se na comida ou bebida que está diante de si e que não podemos ver, como vemos, por exemplo, à direita, no espaço interior do balcão, um homem de uns cinquenta anos vestido num uniforme branco de balconista, inclinado para lavar na pia algum copo ou prato que também não vemos, como podemos ver, por exemplo, um casal do outro lado, este sim, quase de frente, na parte esquerda do quadro, porque estamos é diante da reprodução de um quadro, e que apenas olha fixo, em frente, esse casal, tipicamente americano, um homem de trinta anos aparentes, também de chapéu e terno, e a mulher, loura naturalmente, e não se falam ou tocam, como se tudo já fora gasto nessa noite e apenas estão ali, eles quatro, madrugadores, boêmios (Nighthawks), vistos algum dia pelo pintor Edward Hopper, uma espécie de realista ortodoxo, e, entretanto, talvez por isso mesmo, o que acaba por saltar dessa realidade é uma matéria de sonho e um sentimento que se nos passa e temos quase vergonha de chamar pelo nome tão comum - solidão – e que vem principalmente desse silêncio visto num quadro e das pessoas imóveis e também das cores que o pintor num dia qualquer deve ter perguntado a si mesmo, misturando as tintas: qual seria a tonalidade justa para uma rua completamente deserta iluminada apenas pela luz de uma lanchonete onde quatro pessoas cumprem os ritos vagarosos de uma pequena refeição e dos pensamentos incomunicáveis, quase solenes, daqueles que, mesmo próximos uns dos outros, estão absolutamente consigo mesmos?"

Sérgio Sant’Anna - trecho do conto Cenários, do livro O concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro (1982)


"Fórum Virtual: Como em Um Crime Delicado, as Artes Plásticas são, nesta última obra (O Voo da Madrugada), parceira fundamental. Você poderia falar um pouco sobre a relação da sua escrita com as Artes Plásticas?

Sérgio Sant’Anna: As artes plásticas, semItálico que eu possa precisar por quê, exatamente, sempre foram, como o teatro, uma provocação para eu escrever. Eu sempre considerei as artes plásticas as representações mais radicItálicoais entre todas as artes, principalmente no século vinte e mais ainda no princípio dele. E elas transmitem aos meus textos um clima de "representação", de plasticidade, de cenário, ao que escrevo. Aliás tenho um conto chamado Cenários, em O concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro. O conto partiu da memória que eu tinha do quadro Nighthawks, de Edward Hopper, e aborda o tempo todo as impossibilidades da escrita. A impossibilidade, por exemplo, de descrever com perfeição aquele ambiente noturno de Hopper."

Entrevista de S.S. publicada no Fórum Virtual de Literatura e Teatro – por Beatriz Rezende (2004)

2 comentários:

Iuri Petrus disse...

Concordo com o Sérgio...sempre achei q as imagens são mais soltas e subjetivas que as palavras, apesar de muitos compararem a visão (o sentido da imagem) ao concreto e palpável.Acho que no campo das palavras o que mais se parece com as imagens é a poesia, pois possibilita visualizações e vislumbrações subjetivas, assim como nas artes plásticas com suas infinitas combinações de cores,tons,luzes e espaços.

L. S. D. disse...

Cê tá certin.