Noutras vezes, em determinada página, estabeleceu uma
linha que, saindo da palavra "exumada", percorreu o vazio entre um
parágrafo e outro até alcançar a parte branca da folha, onde desembocou no seu
sinônimo "desenterrar", também cuidadosamente escrito à mão e à
lápis.
Surpreende o fato de serem palavras mais ou menos
comuns, observadas e anotadas ao longo de todo o livro, o que demonstra, de
certa forma, que aquele que as anotou, embora de parco dicionário, efetivamente
terminou a leitura.
Não deixo de concluir – num misto de preconceito e
admiração – que longe de ser um leitor experiente, é um desses leitores de rara
paixão, segregado do sistema educacional e que, por isso mesmo, cunhou-se
sozinho, amontoando, na solidão e precariedade do ato, o vocabulário que as
circunstâncias sempre lhe negaram.
Não deixo de comparar esse último leitor – também com
preconceito e admiração – ao Último Leitor do Ricardo Piglia, cujos ensaios
registram, de um lado, um Jorge Luis Borges quase cego, de cócoras numa
biblioteca e, de outro, um Che Guevara lendo em cima de uma árvore, na Bolívia,
num intervalo de guerrilha.
Da comparação defendo que são todos amorosos com os
livros, mas, enquanto aqueles me aparecem totalmente alfabetizados e até
cultos, o ultimo leitor do livro que tenho em mãos me aparece saindo da zona
nublada do analfabetismo e aprendendo o significado de novas palavras ao seu
modo, a marretadas, no que denomino de autodidatismo marginal – o aprendizado
papagaio, macaco, fruto da observação e da repetição.
A ele, um pouco do meu preconceito. E todo meu
respeito e admiração.
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