quarta-feira, 7 de outubro de 2015

FIQUE ALEGRE, POR FAVOR

Quando um estranho, sem te ofender propriamente, te ofende profundamente.

Não puxei assunto, estava apenas esperanto a hora de conversar com a possível testemunha. Estava na repartição pública também a trabalho, simulando com toda sinceridade a simpatia que tenho medo de não desvelar. Mas ela também estava lá, dissimulada, simulada, encostada na parede. Há quanto tempo me olhava? Ela atirou à traição:

- Mas tu tá diferente.

Uma senhora de voz doce, uma senhora magra que fingia simpatia melhor do que eu.

- Como?

- Tu era diferente quando chegou aqui, bem magrinho, bem bonitinho.

Dois tiros á queima roupa. Deus, senti minha cara esquentar.

- Isso foi em 2009. Tem seis anos. O tempo passa e a gente muda.

- E como eu não mudei?

Tentei uma ironia:

- É porque a senhora é imortal. Eu não.

Não funcionou. E vi minhas palavras caindo no chão, aos seus pés:

Como também a vi balançando a cabeça. Balançando negativamente a cabeça e me encarando com compaixão e desprezo:

- Não, menino.

Ela abusava. Me chamava de velho, de menino, do que queria.

Eu deveria estancar o riso forçado e dizer que sequer a conhecia. 
Mas ela ainda iria falar que eu estava gordo e me forçar a perguntar: "Estou mesmo feio assim?"

Quando, felizmente, fui chamado pra conversar com o médico que socorrera o homem baleado, fui deslocado.

Fiz as perguntas sem saber direito o que estava fazendo. Repeti alguma coisa. Esqueci de algo. Só lembrava dela. Simpática e maquiavélica, continuava lá, me esperando recepção.

Quando saí, tentei ser mais rápido, embora não tenha sido eu quem dissesse isso, mas alguém bastante humilhado:

- Obrigado por estragar meu dia.

Ela esperou eu ganhar a rua, pra quase grita:

- Não! Fique alegre, por favor!

Quase nove horas da noite, ainda penso nela.

Um comentário:

Anônimo disse...

Legal! A mulher era nova ou velha? Feia ou bonita?