sexta-feira, 12 de outubro de 2012

SOBRE UM PERFIL SEM FOTO DE QUANDO CRIANÇA

(Texto inspirado na 'onda' dos usuários do Facebook postarem fotos de quando eram crianças nos seus perfis)


Eu poderia colocar a foto em que apareço nos braços do meu pai, em Niterói, aos dois anos de idade. O meu pai está encostado numa parede, em pé, pernas cruzadas, me segurando apenas com um braço, o direito, porque com o esquerdo – precisamente com a mão do braço esquerdo – segura um cigarro Plaza fumado pela metade. E ainda que pese eu estar sendo pressionado contra o peito de um flamenguista, já ostento um grande sorriso vascaíno.

Eu poderia colocar a foto em que apareço só de cueca, no Facão, município de Brejo, Maranhão. Estou em pé, segurando um carro feito de buriti com a mão direita e utilizando o antebraço esquerdo para proteger os olhos da incidência dos raios solares. Em segundo plano, há uma casa de pau-a-pique, coberta de palha, na frente da qual aparecem, ao lado da porta, uma velha cachorra e uma cadeira de macarrão. Loiro de tanto sol, eu devo estar com quatro anos nesta foto.

Eu poderia colocar a foto em apareço na frente da Armarinhos Imperial, na Avenita Getúlio Vargas, ao lado da antiga Roto Discos. Eu estou sentado no batente da loja, visto um short branco, uma camisa de botão vermelha e calço sandálias de couro que se prendem os meus pés por fivelas. Então com seis anos, eu examino, curioso, o presente que o meu tio me deu: um pequeno caminhão boiadeiro carregado de vaquinhas azuis, brancas e amarelas. Dono da loja, o meu tio aparece logo atrás, encostado num mostruário de vidro, sorridente, cantando uma funcionária.

Eu poderia colocar a foto em que estou sentado na calçada da residência da minha finada avó, na rua B do bairro Nova Vitória. Estou na casa dos sete anos e tenho muitos amigos. Deve ser de manhã, deve ser após uma brincadeira. Olhando com mais atenção, percebe-se que eu e os outros estamos ofegantes de tanto correr. Estamos todos sem camisa, e o suor desce livre pelas nossas caras. Não há fadiga. O cansaço é de alegria. E breve a minha avó irá nos gritar e sairemos novamente correndo em debandada, mas agora para comer bolacha cream cracker com suco de uva.

Eu poderia colocar diversas outras fotos – a que estou dando uma mamadeira para uma onça na Expoimp; a que apareço jogando vídeo-game na casa de um vizinho; a do dia do meu aniversário de dez anos, no bar que tínhamos ao lado do Parque de Exposições, etc. –, mas os álbuns que continham tais fotos foram – junto com uma bicicleta, uma TV, um ferro de engomar, um forno elétrico – todos furtados, certa noite, quando dormíamos, por uns ladrões de olhos tristes e mãos frias.

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