Antes de parar na frente do bar e olhar para os dois lados
do quarteirão, ele definiu quem seria o primeiro: o menino
sentado em cima da caixa vazia de cervejas, na calçada, de costas pra rua. O menino deveria ser o primeiro porque um menino de dez ou onze anos tem mais poder de
reação, pula mais, dá mais pinote, tem mais gás e explosão na fuga.
Ele preferiu não dar sorte ao azar, embora soubesse que as
munições ponta oca têm a vantagem de derrubar o alvo logo no primeiro tiro.
Derrubar e matar, principalmente devido ao estrago nos órgãos atingidos. Ele também
sabia que se além de ponta oca, a munição fosse do calibre ponto
quarenta, o poder de parada do projétil seria ainda mais avassalador. Como diz
o velho ditado: seria tiro e queda.
O garoto nem teve tempo de terminar de beber o Guaraná
Antarctica. O homem sacou a Taurus e apertou o gatilho quando o cano estava quase
tocando a cabeleira negra do moleque. A explosão acordou o cachorro que dormia
debaixo da sinuca do bar e o impacto do tiro, de tão violento, fez o menino
cair pra frente, duro, morto, como se puxado por um ímã. Na queda, o Guaraná
Antarctica escapuliu da sua mão, resvalou na junção da calçada com o piso do
bar e dançou feito uma bailarina, girando, girando, até parar ao lado da sua
nuca já ensanguentada.
O matador adentrou no bar derrubando o casco do guaraná e
atirando no centro de massa do negro, que, sem entender direito o que ocorria,
ainda segurava um pouco curvado o taco de sinuca e mirava a bola branca na bola oito,
que estava realmente propícia pra morrer na caçapa do meio. No momento do estampido a tacada
‘espirrou’, a bola branca se moveu devagar sem atingir nenhuma bola e o negro
caiu morto com o taco na mão e dois tiros certeiros no peito.
A mulher que jogava sinuca com o negro ainda tentou correr, mas o matador a alvejou no meio das costas. (Ele tinha uma empunhadura segura, além de uma ótima mira. Era um profissional.) Quando ela caiu, ele avançou, pisou no seu ombro e disparou outro balaço, mais para certificar-se de que ela estava realmente morta. Com o disparo, uma cápsula foi cuspida contra um pôster do time do Flamengo de 2009 colado na parede e o corpo da mulher mexeu-se levemente, num falso espasmo que a força do impacto produziu.
O velho careca atrás do balcão tentava abrir a porta do
minúsculo banheiro. Tentava: ela estava trancada por dentro. Seu corpo de repente
ficou leve. Flashes do medo. O homem da Coca-Cola passaria realmente no dia
seguinte? A pintura patrocinada pela Skol seria naquela ou na próxima semana? O
desespero da morte engendra reações adversas não apenas na mente, mas também no corpo: afinal, ele tentava abrir o WC
para se esconder, não para limpar o rabo melado de merda. O velho forçava a
porta do banheiro mijando pelo cu! E nem adiantou gritar “Ô meu Deus do Céu!” depois de sentir um buraco quente no ombro. O
matador, apesar de crente em Deus, é um matador.
Dentro do banheiro, escorado no vaso de fundo encardido, o
aleijado dormia entre papelotes vazios de crack e sonhava com fogos de artifício.
2 comentários:
Obrigado pelo novo texto, Luís.
A forma de enriquecer as situações com detalhes originais nos transmite toda a emoção dos seus textos, como naquele que o cara morre na mão de um traficante na estrada (agora me fugiu o nome, acho que era "Dois corvos", algo assim).
Seria legal você habilitar a opção de compartilhamento do seus posts, gostaria muito de partilhar teus textos no Facebook.
Abraços.
Valeu, brother. Vou ver se acerto mexer aqui nas configurações.
Postar um comentário