segunda-feira, 16 de agosto de 2010

ALEXANDRE RIBEIRO

O Alexandre me disse que escrevia. Numa dessas festas da Uema, às duas e pouco da madrugada, ele me disse que escrevia poemas. O dias se passaram. O dias se passaram belos e terríveis como um relâmpago, diria o poeta por engano - bêbado, orgulhoso, ostententando um punhal fincado no coração. Noutra ocasião, num bar dantes (o Bar do Claudeci), o Alexandre apareceu com uma coletânea do Dos Anjos. Lemos alguns versos - "O pergaminho singular da pele./ E o chocalho fatídico dos ossos!" -, bebemos, ouvimos Nirvana e conversamos muito sobre poesia e paraísos artificiais. Corte brusco. A câmera agora sai da mesa em que estamos, num travelling langoroso (a úlitma imagem capitada é minha mão pousando o copo de cerveja sobre o logotipo da Skol), até fixar-se num ponto escuro do bar (o interior do banheiro masculino), para daí, numa fusão de imagens, movimentar-se novamente noutro travelling, até novamente fixar-se noutro ponto, agora a tela do meu computador, na minha casa, no exato momento em que abro a caixa de entrada do meu e-mail e descubro os três pequenos textos abaixo enviados pelo amigo Alexandre Ribeiro. De verso em verso, o reverso.

*
I
Letras Letárgicas

Tua ausência leva minha presença a não-estar. O convívio comigo se torna quase insuportável, meu olhos se enchem d’água quando me percebo sozinho, estático, desolado. Meu sorriso já não faz tanto sentido sem a apreciação dos teus olhos. Degolado, como um rei distante, ligeira falta de ar oprimindo os olhos, a boca, arquejante se arrastando por entre este vale sombrio indizível, porém acordado, é só o que permanece. Pessoas passam, mas é como se fossem tão vazias de transparentes. As palavras me atravessam, ele se sente perdido diante delas, um corpo boiando em um rio profundo e raso cheio de pedras e flores murchas, um livro de não-páginas. Próximo e distante a um só tempo, ele busca saídas do labirinto que ele mesmo criou mas não lembrou de colocar pelo caminho as migalhas de alma. A vontade indômita e desprevenida de estar em lugar nenhum, ou algum lugar o mais distante possível de todos que só uma lágrima pode alcançar, pálida e magra e triste moça com uma rosa nas costas nuas cheia de devaneios. A palavra, calada, grita, geme minha dor imperdoável de ser, mas nunca permanecer. Permanecer respirando. Morrer constantemente. Por isso baixar a cabeça se torna a única fuga imóvel da imobilidade de tudo que passa ao redor turvo. Letras letárgicas mal feitas dizem que.

II

Vi de longe que ela escrevia um bilhete encurvado. Não sei se colocava ali toda a tristeza que sentia, ou se estou com poucos cigarros, guardarei para mais tarde. De repente ela deu com o punho fechado na mesa, talvez ali a dor acabasse de atingi-la em cheio. Apenas seus olhos não vi mexer, o corpo todo percebi os trêmulos. Não sei se ela ouvia todas as vozes que agora corroíam o silêncio da ampla sala. Parece que não. Senti-a invencível ali sentada, cabeça baixa e ar de quem conjectura tão inebriante quanto duramente. Para quem escreveria? Quem receberia aquela tempestade feita em letras tão juntas? Ousei pensar em ir até lá, receber o soco daqueles lábios crispados, o cuspe de ódio daqueles olhos contraídos. Então ela sorriu e me quebrou a espinha dorsal. Tudo era doce novamente, eu é que era o amargo. Vi as paredes me fechando e o vacilo descomunal de todas as coisas. Céus, como eu era absurdo.

III

Facas pontiagudas, odes do ofício,
Flores angulosas, dores permanentes...
E de mim não há resquício.

Seios rastejantes, quimera amarga,
Preço alto, este frio indecente...
E no braço o olhar que não me larga.

No vento a semente que não se espalha,
Minhas veias são raízes de uma mortalha,
O corpo inerte, nada que o valha,
Minh’alma queima como queima a palha.

Um comentário:

Vanusa Babaçu disse...

Luís,


Me senti desprovida dos trapos que cobrem meu velho corpo. É quase como correr nua nos prados das chapadas de nosso sertão maranheses. Dentre outras sensações descrevo esta para registrar como me sinto ao ler os escritos poéticos de Alexandre Ribeiro. Que eu o descrevo como Poeta nú. Pois, de certo nem sedas nem algodão te serve para cobrir teu belo e magro corpo, nem tua viva alma livre de ponderar teu dizer.

Me empresta teu lápis!?


Beijos bem poéticos para Alexandre e Luís.