segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

ATIRARAM NO DRAMATURGO
























Estava eu palitando os dentes encostado no balcão do permanência, olhando displicentemente a TV, quando o Wilhiam Bonner apareceu no vídeo me encarando: "É grave o estado de saúde do dramaturgo Mário bortolotto. Ele foi baleado na madrugada de sábado ao reagir a um assalto no bar do Espaço Parlapatões, na praça Roseevelt, centro de São Paulo." Cheguei mais perto da TV. Aumentei o volume. "Que foi?", perguntou o Nêgo, do outro lado do balcão, segurando um bandeco do Restaurante da Rosa e levando uma colher cheia de macarrão e arroz e frango frito pra boca. "Eu conheço esse cara aí, bicho!" E depois que o Bonner parou de falar: "Rapaz, eu acesso o blog dele quase todos os dias quando eu tô lá em Imperatriz." "E o que diacho é blog?", quis saber o Nêgo, sugando um relutante fio de macarrão que insistia em fugir de seus beiços.

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Na verdade eu não "conheço" o Mário. Ou melhor: não pessoalmente. Mas como já vai pra mais de ano que acesso regularmente o blog do cara, acho que posso dizer - sim - que o "conheço". Invariavelmente, todos os dias folheava o seu blog. Por lá tomei conhecimento de muita coisa boa: cinema, literatura, blues, rock, quadrinhos. Por lá também passei a acompanhar o cotidiano do cara. Os amigos de bar, de teatro, a ressaca, a solidão, posts de amor desesperado, comentários ofensivos de anônimos: tudo ali no atirenodramaturgo.zip.net. Aliás, depois da tragédia - três tiros: no coração, no tórax e no pescoço -, o nome do blog repercutiu de forma negativa na imprensa almofadinha. Muita gente se apressou em associar os tiros levados pelo dramaturgo ao nome do blog e à suposta “violência de sua obra” - contos, poesia, dezenas de peças de teatro. Em vão, pois diversos artirtas que conhecem a obra do Mário Bortolotto trataram logo de esclarecer os fatos e dar descarga em parte da cagada que muitos jornais publicaram. É o caso do texto publicado por Márcio Américo no blog Meninos de Kichute:

“Algumas pessoas tem tentado associar a violência cometida contra o Mário Bortolotto à arte produzida por ele. Isso é no mínimo leviano e só revela ignorância, tira o foco dos reais motivos que desaguaram nesta quase tragédia. Conheço TODA obra do Mário Bortolotto, conheço o próprio Mário e não é de hoje, e posso afirmar com toda certeza que a obra dele não tem como foco a violência, nunca teve. Há alguns personagens violentos, como tem em Nelson Rodrigues e até em Maria Clara Machado, mas a mensagem da obra do Bortolotto é para aqueles que optaram em manter-se fora deste esquema maluco que nossa sociedade montou com uma promessa absurda de felicidade. Os personagens do Mário não estão em busca de alegria, prosperidade, todos eles buscam uma só coisa: PAZ. Seus personagens são loosers, sentados, lendo, olhando o infinito, ostentando um olhar melancólico pra disfarçar talvez sua inabilidade em entender o que não faz sentido. Mário é da paz, não esta paz de pombinha branca, esta paz de passeatas com camisetas, mas a paz individual, a paz que te dá a possibilidade de sentar-se na mesa do bar, mesmo sozinho, e ficar olhando o nada, ouvindo uma boa musica, sabendo que pelo menos até aquele momento tá tudo bem.

Teve ainda pessoas que tentaram associar o nome de seu blog, ATIRE NO DRAMATURGO, à violência. Mais uma vez prova de ignorância de quem falou uma merda dessa. Atire no dramaturgo só nos revela o sofisticado background do Mário: o título é uma referência a um famoso romance policial do David Goodis - Atire no Pianista - que por sua vez remete aos clássicos do western, onde, nos salloons, havia uma placa sobre o pianista que dizia: proibido atirar no pianista. Uma ironia, aliás, outra marca registrada na obra do Mário. Atirar no dramaturgo é falar com o dramaturgo, criticar o dramaturgo, discordar ou concordar com ele, ou simplesmente agradecer por uma noite legal, por um show fraterno e pacífico. Quem fala que Mário atrai violência é porque nunca foi ao show de sua banda Saco de Ratos, onde sempre rola uma espécie de culto silencioso à fraternidade, onde pessoas sobem no palco e cantam, dançam, lêem poemas e são sempre recebidas pelo Mário com aquele seu típico abraço padrão Zé Colméia.”

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Apesar da gravidade dos ferimentos, o dramaturgo resiste bravamente e já respira sem a ajuda de aparelhos.

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