Há uma fotografia em que apareces especialmente linda. Sentada
no sofá, pernas cruzadas, rindo, com duas mechas do cabelo – um parêntese emoldurando
o rosto – tentando penetrar tua boca. No lado direito, uma cachorra, dessas
pequenas e espalhafatosas, está admirando – e incrivelmente, na mesma posição
do cão do logo da RCA – a pequena bailarina que rodopia na caixinha de música
sobre tuas pernas lisas. No lado esquerdo, um Deus sisudo toca arpa,
acompanhando a melodia. Atrás, um pouco acima da estante da sala, perto do relógio
cujos números são frutas – uma banda de maçã, um cacho de uvas –, o calendário
de uma loja de autopeças marca dois mil anos. Mas ainda estamos em Mil Novecentos
e Noventa e Nove, e teus olhos, duas tochas vermelhas reveladas pelo flash da
Yashica, indicam que morrerá dali oito meses, de câncer, com um túnel negro estendido
entre tuas entranhas e tua boca murcha, enfim penetrada pelas duas mechas – que
são, agora, dois tentáculos rasgando-te a cara, como nos mangás japoneses.
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