Do ônibus, pela janela, olho a cidade de Buriticupu. Olho a cidade que nada me lembra a cidade dos protestos violentos - tiros contra a polícia, delegacia queimada, assassino assassinado e partido ao meio ao ser arrastado por duas motocicletas. Não. O clima é outro. A cidade dorme madrugada adentro e a rodovia antes empoeirada é agora uma bela avenida ilumidada com seus canteiros floridos quase prontos. A cidade dorme debaixo de uma chuva fina. A cidade é uma princesa dormindo e eu uma pequena mariposa apaixonada de Guadalupe de passagem pelo seu corpo. Mas não, não me iludo. E sei que a qualquer momento a delicada mão de princesa pode me golpear com um tapa de fera.
Desembarco em São Luis e resolvo pela manhã o que tinha de resolver envolvendo o trabalho - carimbo do Estado, assinatura, bom dia. Depois do almoço, rumo para o São Luis Shopping. Compro o ingresso para assistir ao filme Avatar e fico sentado observando as vitrines que observam as pessoas que observam as vitrines. Lembro sem querer de uma notícia lida no jornal O Progresso. Algo sobre o governo do Estado entregando uma viatura policial a uma pequena cidade. Como se fosse inauguração de uma grande obra, a viatura é entregue com pompa na porta da prefeitura. Executivo municial e vereadores presentes. População, flashes. Penso em escrever um texto sobre o assunto, dilatando um pouco os fatos. Do burburinho sobre a chegada da viatura até a sua entrega. A população exultante rebeirando o automóvel, cheirando os pneus, cochichando, posando pra fotos no capô, brincando de polícia e ladrão. No final do texto que ainda não escrevi, alguém comete um crime para poder ser o primeiro a ser transportado na gaiola da viatura. Rio muito da situação. Rio tanto que um segurança do shopping me olha desconfiado.
A sessão inicia no Box Cinemas. Ponho os óculos da fantasia na cara e seco um copo de Coca-Cola. Da tela do cinema objetos voam na minha direção. Desvio de um tiro de fuzil e tento em vão agarrar uma flor iluminada. Avatar é um grande filme de um diretor megalomaníaco. Certamente ganhará vários oscares, mais por seus recursos técnicos e menos por seu roteiro, que achei batido, nada extraórdinário. No meio do filme, minha garganta trava por conta de - perdoem-me, senhoras polidas - uma bola de catarro encalhada. A situação é insuportável. Tenho de cuspir de qualque de jeito, mas me envergonho porque logo atrás de mim estão duas belas adolescentes. Bolo um estratagema, então. Espero uma cena violenta e no meio de um combate entre humanos e alienígenas, entre mísseis e gritos de desespero, aproveito o grande barulho e abaixo a cabeça para enfim escarrar discretamente no copo vazio de Coca-Cola.
Chego por volta das 17h na rodoviária. Peço cerveja e começo a beber. Chapar a cuca é um método que sempre uso para poder dormir bem dentro dos ônibus. Bebo muitas cervejas e como um PF estranho: carne de sol descaradamente frita na mesma gordura que fritaram algum peixe. Não reclamo. Bebo mais cervejas e embarco faltando cinco minutos para o Aparecida partir. Durmo a viagem toda sonhando com uma negra forte e gostosa de cabelo loiro cortado à máquina regulada no pente número 2. Um sonho erótico que depois narrarei por aqui. Acordo excitado já perto de Imperatriz. No desembarque, traço um copo de café e um pastel na rodoviária, o que me reporta a um ótimo conto do professor Magno Urbano, que eu li há algum tempo e que se chama Moço, me dá um dinheiro. Como o pastel e volto para casa pensando em como ficarão bonitos os canteiros floridos de Buriticupu.