Tarde de
sexta. Abro a porta da DP para a rua, para o calor mormacento das cinco e
cinquenta da tarde, para os carros, seus nocivos gases. Avanço para o final do
apocalipse diário pondo os fones de ouvido.Tenho pressa de suprimir vozes por
riffs, baixos aditivados, pratos de bateria em estilhaços, e finalmente chegar
em casa.
Todas
parecem gritar, granir, rir. Uma delas fala:
- A
família dele mata e chupa o sangue! Eu tenho é medo!
Neste
momento emerge, entre vossos ventres, voz máscula, de vocabulário chulo,
vaqueiro da cidade:
- Como é
que é, muié! – no que ouço, junto com sua voz, o estampido de um espalmar de
mãos contra a parede da DP.
A
comemoração do lamento – penso, enquanto escolho uma música – é menos incrédula
do que estranha, porque o bizarro do fato a sustenta: há de se respeitar a
gargalhada de quem, imerso no desespero, ouviu algo horrível num diálogo
festivo, ou algo festivo num diálogo horrível, pois, se a festa não suprime a
dor, mal ela não faz.
- E por
que tu num disse isso. Por que tu disdisse tudo? Rum! Amanhã num venho mais
não, carái! – diz uma terceira voz, fina, raquítica, da corcundinha loura.
Sigo. Por
um instante penso nas imagens que me ficaram de 2018. Uma mulher sentada numa
cadeira, imóvel, com um tiro na cabeça. Uma mulher abraçada ao filho morto. Uma
mulher com a cara lacerada de facão.
Ando e, ao
passo que defino a música e surgem seus primeiros riffs, persistem, como um
grito longínquo, os risos, as gaitadas, outro tapa na parede, sons
inconveniente que que lutam e se misturam com o thrash metal, mesmo eu
aumentando o volume e Max gritando cavernoso, com toda a força de seus vinte e
poucos anos:
- “Sacrifice is pleasure / When life ends in pain…”